Diário do Purgatório © 2012 - 2014
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"Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better."
por Fernando Lopes, 27 Fev 17
O meu amigo a pedir a benção.
Saberá a freguesia mais regular e atenta que, de quando em vez, refugio-me na minha casa da aldeia. O meio tem as suas idiossincrasias, como o facto de o alcoolismo ainda ser considerado «normal», ou coexistirem cerimónias ancestrais como a desmancha do porco ao som de música pimba vinda de uma coluna bluetooth. De minha casa ao café do Cunha, o único restaurante e centro de convívio, serão mais de mil metros a subir e descer.
Tomo o pequeno-almoço e logo à saída de casa me convidam para uma febra e um copo de vinho. Abdico da febra e como um naco de broa e um copo de verde branco. Na terra, quando o vinho é para consumo próprio ninguém lhe junta sulfitos, o que faz com que o vinho branco em contacto com o ar rapidamente oxide, e ganhe uma cor escura. Dez minutos de conversa sobre as agruras da cidade, como fugir das patroas, figuras que inspiram temores profundos e parecem ter sido criadas para nos atazanar a cabeça. Nisso, a cidade e o campo são mais semelhantes que o que se pensa.
No percurso, travei-me de amizades com um cãozito arruivado e a dona. Viúva, sexagenária e sozinha, aproveita a oportunidade para por a conversa em dia. O raio do cão, ainda mais carente de mimos que eu, sente-me o cheiro a mais de duzentos metros e desata a ladrar com entusiasmo.
Não sei porquê, mas a escassa iluminação pública é desligada à meia-noite. Como vou ter a eternidade para ficar no escuro, ligo um trio de lâmpadas de baixo consumo que transformam a casa no único local iluminado num raio de quilómetros.
- Já sabia que estava cá, o sr. deixa sempre as luzes ligadas.
- São lâmpadas que gastam pouco, e como acordo a meio da noite para fumar um cigarrito, gosto de ter luz, justifico-me.
As nossas casas distarão quatrocentos metros em linha recta, e, por estranho que pareça, a sra. pareceu sentir-se reconfortada por ver alguma luz no escuro da noite. Coisas aparentemente sem valor como deixar luzes de presença acesas, pode de estranho modo, dar a alguém a sensação de que está menos só.
por Fernando Lopes, 26 Set 16
Insignificâncias ganham ocasionalmente valor de revelação. O fim-de-semana passado estava no churrasco quando vejo no lavatório ao lado uma lagartixa que se debatia desesperada a tentar subir a superfície lisa e íngreme de inox. Observei as tentativas durante uns segundos, e decidi ajudar. Assim que sentiu o meu dedo a empurrá-la, tentou subir ainda mais rapidamente, movimentos de medo puro. Consegui colocá-la fora daquele fosso. Saltou para a tijoleira, depois para a parede de granito. Ficou durante uns segundos a recuperar, voltou-se para mim. Parecerá coisa de amalucado, mas quase aposto que estava a agradecer.
por Fernando Lopes, 24 Mar 16
Esperam-me dez dias inteirinhos de férias, no ambiente relaxado da «minha aldeia». Fiquem bem e até já.
por Fernando Lopes, 27 Fev 16
O vizinho da frente da minha aldeia é um homem pequenino, muito sujo, sempre com uma daquelas boinas antigas com um pico espetado no centro. A casa, degradada, está entre um caminho de pedras grandes e irregulares, da largura de um carro, à esquerda. Do lado direito outro pequeno trilho, ainda mais estreito e estranhamente asfaltado, como se num afã de modernização alguém começasse a colocá-lo onde é inútil.
Na frente da velha casa cirandam galinhas e patos num aparente abandono. Nos dias de sol pode ver-se a mulher, paralítica e demente, sentada numa cadeira de rodas a gritar ou murmurar angústia e medos imperceptíveis.
Quando passo por ele e lhe dou os bons-dias o cumprimento é sempre precedido de uma passar da mão pela camisola, como que a limpá-la para apertar a do ilustre vizinho ocasional. Não mais trocamos que amenidades, uma ou outra palavra sobre o tempo, a falta de melhoras da sua senhora.
Toda aquela miséria, abandono, o desprezo dos vizinhos, fizeram-me perguntar sobre a sua subsistência. O normal por aquelas bandas, uma leira de terra aqui e ali, uma corte e um porco que lhe asseguram alguma carne. E a Segurança Social. Vai uma carinha e duas mulheres, algumas vezes por semana, levar refeições quentes, higiene à mulher, uma ou outra varridela no casebre. Sem este apoio provavelmente não conseguiriam sobreviver, já que é apenas de sobrevivência que se trata.
Por estas e outras me contorço todo quando oiço os liberais de pacotilha debitarem doutos pareceres sobre o excesso de despesa da segurança social.
por Fernando Lopes, 10 Fev 16
O rio Tora, normalmente pouco mais que um riacho, a correr abundante por entre as pedras
Já aqui escrevi que detesto as festividades carnavalescas, não só as de agora, abrasileiradas com «escolas de samba», como se a natureza lusa fosse a do samba e não a do fado. Mesmo os caretos, a «Dança Dos Cus» e outras formas tradicionais de carnaval à portuguesa não exercem sobre mim qualquer atracção. Eu, festeiro no corpo e alma, desato a fugir do Carnaval. Refugiei-me em Arcos. Chuva, chuva, chuva e chuva. Quatro dias em que a água não parou de cair dos céus permitiram ainda assim uma ida ao café do Cunha, 1, 5 km a descer e o mesmo para cima, beber uma cerveja, falar com os vizinhos, apreciar um cigano com uma «loja do chinês» móvel. Ficam as fotografias de quatro dias de não-carnaval.
Uma bela vaca barrosã, indiferente ao vento e chuva pasta placidamente em frente ao café
Paisagem pelo caminho
Pés molhados, alma cheia
por Fernando Lopes, 26 Dez 15
Neste dias em que tudo em pára, remete-se este vosso escriba a silêncio campestre. Recolhe-se ao seu abrigo, e irá conviver com a gente da sua aldeia adoptiva, cabras, garranos e demais bicharada. A porca que se dava pelo nome e gostava de festas foi assassinada. Porque muito que custe a nós citadinos, os animais valem pela função, a sua era ser criada, engordada e comida. Escusado será dizer que não vou ferrar o dente em nenhuns salpicões que ofereçam com medo que pertençam à minha defunta amiga. Aproveitarei sem pudor todo o verde, desde que não seja tinto. Uma malga de tinto deixa os dentes pretos e provoca tal distúrbio intestinal que é melhor nem lhe chegar os beiços. Levo cadernos de notas e um livro oferecidos por dois amigos blogosféricos cuja amizade passou para lá do monitor. Até já.
por Fernando Lopes, 20 Out 15
Neste dia de temperaturas primaveris Entre- Douro-e-Minho senti falta do campo. Imaginei-me a fazer abrasear costelinhas, chouriças, alheiras e pimentos tendo por vista a montanha. Acompanhado por uma garrafa de Alvarinho bem fresco, nem sabem o bem que fazia a esta cabeça cansada. Apesar de amar a cidade, encontro cada vez mais prazer nas coisas simples do campo. Pudesse eu, e dividia a vida e o tempo entre estes dois amores.
por Fernando Lopes, 20 Set 15
Enquanto na cidade se gozam os últimos sorrisos do Verão, no campo prepara-se a lenha para o frio que está prestes a bater à porta.
E os ouriços exibem luzidias castanhas.
por Fernando Lopes, 26 Jul 15
Vegetais oferecidos pelos vizinhos
A gente gosta de ir à terra, mesmo que seja nossa apenas por adopção. Sabe que a nossa gente nos acolhe, que gosta de nós, nos convida para as suas festas. A gente sabe que a gente do campo é nossa amiga, mas também sabe que pequena faúlha basta para provocar uma catástrofe. A gente gosta da sua matreirice, dos dichotes, das piscadelas malandras de olho, dos subentendidos, do que se diz sem dizer. A gente sabe que a vida é dura, que o campo não dá férias, que o pão nosso de cada dia é regado com suor. A gente gosta do bêbado, do maluco, do abandonado, da moça vistosa, do rapaz das motas, do sr. padre, do vereador da câmara. A gente gosta da terra, porque é terra que nos corre nas veias, porque a amamos como a uma mulher caprichosa.
por Fernando Lopes, 3 Mai 15
Admirei o nevoeiro místico que envolvia a Igreja do Vale,
vi o renascer da natureza,
alimentei o corpo com bacalhau na brasa
e o espírito com John Fante.
Interessante chegar aqui anos mais tarde aqui e pe...
Achei muito interessante atualmente esta sua posta...
boa tarde , estive neste sitio esta semana e pergu...
O Pretinho do Japão é citado, como profeta, em Ram...