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Não peço muito.

por Fernando Lopes, 22 Nov 14

Não peço muito. A frase, ouvida entre a morte do Botas e a desbotada Primavera do Marcello. Poderia exprimir uma humildade ou frugalidade sentidas, na verdade é um manifesto à resignação. Aquando dos desejos para 2014, um dos mais recorrentes era «manter o emprego». Três anos de austeridade, desemprego, humilhação, ajudam a quebrar uma já frágil auto-estima colectiva. A gente já não sonha, não se indigna, já só quer trabalhar, ter comida na mesa, ir ao restaurante uma vez por mês ou num aniversário. Quem podia fugiu, restaram os incapazes e os que os exploram, ridicularizam e humilham numa base diária. Mea culpa, mea maxima culpa. Restaram abutres, sobrevoando a carniça em círculos cada vez mais apertados, e nós, os animais assustados que empurramos os despojos para os bicos dos necrófagos. Restou uma imprensa económica que abraçou a austeridade, flagelou um povo simples e humilde endividado maioritariamente pela compra de casa própria, e continuou subserviente a lamber o rabo aos poderosos. Restou a revolta de meia-dúzia de cretinos como eu, que com uma arma na mão hesitariam entre «limpar» a assembleia da república ou acabar com a sua miséria dando um tiro nos cornos. Mea culpa, mea maxima culpa.

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Beatas.

por Fernando Lopes, 28 Jul 14

Hora de almoço, porta do centro comercial. Fumo um último cigarro antes de subir. Um homem alto, cabelo grisalho desgrenhado, faces encovadas e olhos escuros, mecanicamente apanha as betas da areia e mete-as ao bolso. Não olha para ninguém, cabeça baixa a evitar olhares de censura, nojo ou simples surpresa.

- Deixe isso aí, eu dou-lhe um cigarro.

Agradece-me com um aceno de cabeça e parte, cigarro aceso.

Ninguém deveria estar sujeito a tal humilhação, especialmente por um vício tão «inócuo» como o do tabaco. 

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Ética, por onde andas?

por Fernando Lopes, 13 Fev 14

Frente à entrada do HPP do Porto na Boavista, enquanto fumo um cigarro, ouço um diálogo improvável. Uma romena, longas saias roxas, vende figuras de um qualquer santo a quem entra e sai do hospital. Aproxima-se uma mulher na casa dos 30, mulata, vestida com roupa desportiva. A extrema magreza marca-a como toxicodependente, pode ser apenas faminta. Falam do número crescente de pedintes na artéria:

 

- Se pedem às pessoas três vezes neste bocadinho, ficam fartas, não lhes apetece dar nada, percebo isso. Até já lhes fui dizer que acho mal, que não se deviam fazer de aleijados, sem um braço ou uma perna, até por consideração a estes – e aponta para a entrada do estabelecimento de saúde.

 

Estranho mundo, em que quem vive de moeda alheia, sobras dos outros, mostra ética no seu mester. Os ladrões verdadeiros estão à frente de conglomerados, são julgados em fatos italianos, chamam hipócrita à ambição desmedida que come a alma e lhes paga advogados que cobram três dígitos à hora.

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O bebé nº 59.

por Fernando Lopes, 29 Mai 13

Há histórias que nos tocam um pouco mais fundo porque somos pais. Assisti ao vídeo duas ou três vezes, entre o aterrado e perplexo. Em vez de chamar horrores à mãe tento compreender o seu drama. Vejo no pequeno uma lição de vida, resistência, tenacidade. Bem-vindo a este mundo, rapaz. Que o futuro te seja dócil, já que nele entraste de modo tão atribulado.

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A roupa que vestes pode matar.

por Fernando Lopes, 25 Abr 13

"Pelo menos 238 mortos em prédio que fabricava roupa para a Primark e Mango."

 

Adenda: Recentemente discutia-se por estas bandas os efeitos nefastos da desindustrialização para a Europa. Seria aceitável perdermos algum do bem-estar adquirido se tal significasse a melhoria da qualidade de vida da população da Ásia e continente sub-asiático. Na prática só vemos escravatura, miséria e morte. Em simultâneo, grandes empresas e seus capatazes a engordar. Sempre à custa do sangue da maioria.

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Coisas simples.

por Fernando Lopes, 21 Abr 13

Não entendo nada de geopolítica, mecanismos federais, uniões. Constato um simples facto: a UE está a desmoronar-se. O projecto europeu surgiu como forma de perpetuar a paz através da criação de interdependências económicas. O dinheiro a falar. Quando esse bem escasseia, vêm à tona os egoísmos nacionais. Conscientemente, por iniciativa do norte industrializado, a OMC abriu o comércio aos asiáticos e uma caixa de Pandora.

 

Tenho sempre presente este exemplo: quando me casei, uma máquina de lavar a roupa custou 80 contos. Era produzida em Setúbal sob licença italiana. Hoje, 20 anos depois, tenho uma sul-coreana que custou exactamente o mesmo preço, muito mais sofisticada.

 

Não tenho dúvidas que dentro de 10 ou 15 anos os asiáticos estarão a produzir os mesmos bens que hoje suportam a indústria alemã, a metade do preço. Basta ver os automóveis coreanos que por aí circulam. Não se sabia muito bem qual era a frente e a traseira, hoje são concorrenciais com os europeus por um preço muito mais baixo.

 

Temos de proteger a indústria e agricultura europeia ou agonizar. Renegociar os tratados comerciais. Comprar bens por preços mais altos porque os nossos operários e técnicos são mais bem remunerados. Ou isso ou tornar-nos-emos um gigantesco museu que os novos-ricos visitam na sua semana de férias. Não tenho a certeza que todos tenham entendido esta coisa tão simples. 

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Lolitas

por Fernando Lopes, 29 Mai 12

Não entendo o fascínio de homens maduros por Lolitas. Poderá ser a busca de juventude, a inocência, uma tara. Definitivamente não compreendo. Vivemos numa sociedade que sexualiza as crianças, em particular as meninas, tornando-as pequenas réplicas de mulheres. Tudo isto me salta à memória, após um olhar indefinível, pleno de luxúria, que me causou enorme asco, lançado por um velho a uma miúda de pouco mais de dez anos. Hesitei entre o agarrá-lo pelos colarinhos ou ignorar. Escolhi a segunda hipótese. Confrontá-lo com uma libido desviante seria certamente difícil de provar. Fiz a minha cara nº2, e se os olhares, além de luxúria, matassem, o velho nojento teria caído fulminado. Ao navegar na net à procura de algo para ilustrar este desabafo, encontrei a foto choque acima. Talvez a culpa não esteja só no estupor do velho mas também em quem ganha a vida a promover imagens como esta. Pais e "artistas".

 

Toda a história destas fotos aqui.

 

P.S. - A intenção da imagem era provocar a discussão sobre a sexualização das crianças, personificadas em Brooke Shields. Retiro-a, porque é, de facto, chocante. OK, Xana?

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Iznogoud

por Fernando Lopes, 24 Mai 12

 

Um personagem genial, saído da imaginação de Goscinny. Qualquer semelhança com o mundo real é mera coincidência.

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Reflexões ao despertar

por Fernando Lopes, 20 Mar 12

7:30. O despertador toca. Arrasto-me para fora do quarto. Entro no escritório e acendo um cigarro enquanto olho para a janela. Por detrás das cortinas apercebem-se as movimentações nos prédios vizinhos. Famílias como a minha, a despertar, preparando as crianças, tomando o pequeno almoço. Descem para a garagem um pai e dois miúdos. São pequenos, talvez entre 5 e 10 anos. O telemóvel marca 7:40. A violência que hoje é exercida sobre os pequenos está bem patente na forma como se arrastam. Tal como a minha filha e milhares de outras crianças permanecerão 10 a 12 horas fora de casa, entre escola, ATL, trabalhos e actividades extra-curriculares. A sociedade transformou-se, não para melhor. Hoje os miúdos socializam pouco fora do circuito escolar. Não há as brincadeiras na rua com os vizinhos, não há tardes ou manhãs livres depois da escola, o aconchego parental de quem ficou em casa e prepara um lanche, desapareceu. A sociedade mudou, os pais abalam de manhã e chegam à noite e com eles arrastam as crianças. O progresso económico e social que representa o facto dos dois pais trabalharem mostra aqui o reverso da medalha. Os nossos filhos têm pequeníssimos espaços de fruição e brincadeira. Andam no ballet, karaté, inglês, teatro, música. Porque não temos para lhes dedicar, para exercer a parentalidade. Vivemos em guetos, por escalões etários. Os velhos nos lares, activos no trabalho, infantes na escola. Só ocasionalmente estes mundos se cruzam, e isso empobrece-nos a todos.

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