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Pôr açúcar em tudo.

por Fernando Lopes, 15 Dez 16

Qualquer celebração em Portugal tem forçosamente de incluir comida. O Natal não é excepção. A avó era modista dos Riba D’Ave, uma família nobre que habitava o local mais chique desta cidade, a Marechal Gomes da Costa. Era gente de respeito, dinheiro velho, tratavam-nos com cortesia. Apenas 4 ou 5 anos, pela mão da já então velha senhora, abriam-se-me as portas não da vida dos remediados de classe-média a que estava habituado, mas das pinturas dos familiares em pose, candelabros do melhor cristal, enormes espelhos rodeados de uma espécie de talha dourada, salões, criadas de quarto e de sala rigorosamente fardadas. Entrar ali, tão tenra idade, era o equivalente a uma viagem a um planeta brilhante e desconhecido.

 

Uma vez, ainda antes de entrar para a primária, pediram-nos para esperar numa sala lateral à grande sala de jantar, a que então chamavam saleta. Era onde eram recebidos os assim-assim a que pertencíamos, não por onde entravam serviçais e criadagem, nem os ilustres visitantes de tão nobre família. Uma espécie de purgatório, mas em sala.

 

A sra. que tinha um título nobiliárquico qualquer pediu-nos para aguardar um pouco, era época de Natal e estava a supervisionar a feitura dos doces. Chegou-se-nos com uma frase que nunca esqueci:

 

- Desculpem, estava a dar umas ordens na cozinha. Pelo menos o Natal dos pobres é simples, basta pôr açúcar em tudo. Fritam pão e açúcar; rabanadas, farinha com açúcar são sonhos, canela no arroz e está feito o arroz-doce, faz-se massa com açúcar e chama-se-lhe aletria.

 

Verdade que nesta época muita da nossa doçaria tradicional de cariz mais popular mais não é que pegar em alimentos convencionais e adoçá-los. É uma herança de país pobre que fomos, somos, e a que atavicamente continuamos agarrados.

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9 comentários

De alexandra g. a 15.12.2016 às 19:51

Essa senhora & Sua Atitude mereciam um par de bolachadas. De água & Sal. Com uma pitada do mais eficaz vomitivo disponível no mercado.

De Fernando Lopes a 15.12.2016 às 19:58

Outro tempo, já há muito, muito, tempo. Malgré tout não deixa de ser verdade. 

De alexandra g. a 15.12.2016 às 20:07

O Traste, isto é Sua Senhoria, desconheceria, ou apeteceu-lhe por instantes ignorar toda a doçaria conventual. Dar-lhe com um Lonely Planet da gastronomia em cheio na cútis facial também não teria sido mal pensado, mas a Lonely Planet ainda não tinha iniciado os liftings :)

Depois, doces por doces, acredita no que te digo: sardinha é francamente melhor que o melhor dos caviares de origem...

______
(a tua história lembra-me uma história pessoal, também com uma criatura insignificante armada em Senhora, sem qualquer espécie de nobreza humana, perguntando-me a que Almeidas pertencia eu, ao que lhe respondi que eram mesmo de Almeida; não se me dirigiu o resto da noite :)

De Carlos A. de Carvalho a 15.12.2016 às 20:53

Também gosto mais de sardinha do que de caviar . Até já tentei comer caviar mas , achei o gosto horrível . Será porque sou pobre ?  

De alexandra g. a 15.12.2016 às 20:59

Não faço ideia, Carlos A. de Carvalho, mas vejamos, além de isso de rico/pobre ser questão de mau gosto no que aos gostos toca, o gosto da sardinha é praticamente insuperável :)

De Fernando Lopes a 15.12.2016 às 22:12

Moção apoiada por aclamação e unanimidade. Longa vida à sardinha.

De alexandra g. a 15.12.2016 às 22:17

Com a bélita à cabeça (pelo que li, tenho a certeza que adora sardinhas), tomaremos o mundo :D

De belitaarainhadoscouratos a 20.12.2016 às 14:13

adoro! e na versão fritas em azeite (das grandes!) com arroz de tomate... verão, volta rápido que a sombra da tangerineira está à espera!!!

De Fernando Lopes a 20.12.2016 às 18:30

O que eu gosto de arroz de tomate. 'Pera aí, agora não como arroz, ando a reduzir ao máximo a ingestão de hidratos de carbono. :(

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