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Pessoal, mas não íntimo.

por Fernando Lopes, 1 Set 16

A minha luta_2.jpg

 

 

Como sabe a freguesia não tenho intentos de crítico literário. Não podia, no entanto, deixar de escrever algumas linhas sobre «A Minha Luta – A Morte Do Pai» de Karl Ove Knausgard. Parece que a série autobiográfica, e este primeiro livro em particular causaram querelas jurídicas entre Karl Ove e a família, foi anunciado como o despir de um homem através da escrita. Sou apaixonado pela diarística, daí a impossibilidade de recusar esta proposta norueguesa.

 

Tecnicamente – em termos de qualidade da escrita – é uma obra quase irrepreensível. Os primeiros anos de vida do autor até à morte de seu pai, provocada por um alcoolismo «tardio» ou escondido, são aqui retratados. Há, no entanto, um pudor luterano que perpassa toda a obra. Não conheço a noruega ou noruegueses, suponho que serão discretos e contidos. Assim é esta obra. O autor refere várias vezes a necessidade de a sua família ser correcta, composta por boas pessoas, esse espírito perpassa todo o livro. Cauteloso, sem rasgos de grande angústia, ódio visceral, violência, sexo. A relação com o pai é complicada, entre o ódio, admiração e medo, mas não o são tantas?

 

Há capítulos enternecedores, como o momento em que descreve a sua primeira paixão. Belo, sincero, pueril. Existem reflexões importantes sobre a morte – que abre o livro – a necessidade de escrever, a relação do autor com a pintura. Num ou outro ponto passa a sua visão sobre o poder quase mágico que o álcool exerce sobre ele, sentimento que me é próximo.

 

É uma obra interessante, que li com agrado, mas vejo pouco de proustiano ou dilacerador neste primeiro capítulo. É pessoal, mas não íntimo.

 

Um dos poucos diários que despe autor e leitor pela sinceridade abrutalhada, caótica, insana, é «Diário Remendado» de Luíz Pacheco. Suponho que quem acha esta respeitável obra um ícone de intimidade e exposição sobre a forma escrita nunca o tenha lido.

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14 comentários

De alexandra g. a 01.09.2016 às 01:14

as suposições não passam disso, como os juízos de valor, de resto.


ainda não lhe li os livros, mas é provável que já me tenha apaixonado pelos textos por via das entrevistas (é certo:). Não falo do auto, claramente, como ele desejou desde o início.


______
se há coisa que abomino são julgamentos sumários (principalmente).

De Fernando Lopes a 01.09.2016 às 07:29

Isso quer dizer exactamente o quê? Achas que tenho algum preconceito em relação ao autor? De todo. Achei um bom livro, apenas não tão fracturante quanto esperava.

De alexandra g. a 01.09.2016 às 07:50

aah, fui pouco clara, desculpa, mas é que já li tanto ataque ao homem que agora saem-me assim os comentários, aos tropeções :)


não achei nada que tenhas qualquer preconceito contra o autor, achei que fizeste uma crítica limpa e pessoal; se há autor que tenho vontade de ler, nos últimos tempos, este é um deles, seguramente, mas tudo o que li (excepto os trechos que vão sendo publicados) foram entrevistas com uma pessoa muito inteligente que (parece-me) busca algum apaziguamento, de certa forma conseguido. 


admirável, sem dúvida, mas quando o ler (de um livro, com a calma necessária) voltarei ao tema; até lá, sinto-me como aquelas crianças que nadam nas poças de maré :)


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a tua montagem está excelente :)




De Fernando Lopes a 01.09.2016 às 09:33

Digo-te que vale a pena, apenas esperava algo mais. A fotografia não é montagem, encostei o livro à cara e a minha filha fotografou com o telemóvel. 

De alexandra g. a 03.09.2016 às 00:48

promete-me que dás os meus parabéns à tua filha.
o resultado é excelente, absolutamente excelente, quase que dispensa o texto :)


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e não estou a passar-te a mão pelo pelo: a minha educação estética é de uma exigência a raiar o impossível (caguei nela, sim :), mas sei que, invariavelmente, são poucos, os meios, basta a genuína vontade, que é um olhar inteiro :D

De Fernando Lopes a 03.09.2016 às 12:18

Comecei a fotografar com a velha Pentax SP 1000 com zoom Carl Jeiss que o meu pai tinha (e ainda hoje conservo). A ideia foi minha, e, na varanda do nosso quarto de hotel, ela dizia mais para cima, mais para baixo, até conseguirmos encaixar mais ao menos os rostos. Isto só é possível com fotografia digital, para um amador era impossível gastar dez fotografias do rolo para aproveitar uma. Os parabéns serão entregues.
A ideia foi contrastar duas vivências, a do homem do norte magro, de olhos claros, e este pássaro do sul, meio muçulmano, que te escreve. Também é essa a diferença fundamental pelo facto de ter gostado do livro mas não o achar icónico. Apesar da proximidade, as vivências, e principalmente como as sentimos, são completamente diferentes. 

De Fernando Lopes a 03.09.2016 às 12:46

E já que estamos a falar de autobiografias ou biografias romanceadas, seria fácil pensar que quanto mais extraordinária é a vida, mais rica a obra. Normalmente assim é. No entanto, tens de ler «Stoner» de John Williams, que partindo da vulgaridade e sensaboria da vida académica construiu um dos mais fantásticos romances do Séc. XX. Chorei em algumas partes, e olha que não é fácil as palavras tocarem-me tão intensamente. 

De Anónimo a 01.09.2016 às 12:15

Tenho andado a ler aos poucochinhos uma vez que os filhos da puta dos administradores da fnac não permitem empréstimos. Filhos de uma carrada de putas pelas quais tenho o maior respeito. 
Filipe bacaulhento

De Fernando Lopes a 01.09.2016 às 12:22

Depois diz-me o que te pareceu.

De Henedina a 03.09.2016 às 07:48

Boa foto!
O texto...as usual. Gosto, claro.

De Fernando Lopes a 03.09.2016 às 12:22

Bom lê-la por estas paragens, Henedina.

De Henedina a 03.09.2016 às 19:30

Obrigada Fernando.

De Descontos a 04.09.2016 às 22:09

Permita-me sugerir os 12 diários - Pilgrimage - de Dorothy Miller Richardson.

De Fernando Lopes a 04.09.2016 às 22:25

Sugestão aceite. Vou investigar.

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