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Não peço muito.

por Fernando Lopes, 22 Nov 14

Não peço muito. A frase, ouvida entre a morte do Botas e a desbotada Primavera do Marcello. Poderia exprimir uma humildade ou frugalidade sentidas, na verdade é um manifesto à resignação. Aquando dos desejos para 2014, um dos mais recorrentes era «manter o emprego». Três anos de austeridade, desemprego, humilhação, ajudam a quebrar uma já frágil auto-estima colectiva. A gente já não sonha, não se indigna, já só quer trabalhar, ter comida na mesa, ir ao restaurante uma vez por mês ou num aniversário. Quem podia fugiu, restaram os incapazes e os que os exploram, ridicularizam e humilham numa base diária. Mea culpa, mea maxima culpa. Restaram abutres, sobrevoando a carniça em círculos cada vez mais apertados, e nós, os animais assustados que empurramos os despojos para os bicos dos necrófagos. Restou uma imprensa económica que abraçou a austeridade, flagelou um povo simples e humilde endividado maioritariamente pela compra de casa própria, e continuou subserviente a lamber o rabo aos poderosos. Restou a revolta de meia-dúzia de cretinos como eu, que com uma arma na mão hesitariam entre «limpar» a assembleia da república ou acabar com a sua miséria dando um tiro nos cornos. Mea culpa, mea maxima culpa.

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6 comentários

De Inês a 24.11.2014 às 12:14

Os abutres sempre cá estiveram e não foram os incapazes que ficaram.
Ficaram os que não puderam ir (por variadíssimas razões), e ficaram os que assim escolheram. Eu, apesar de já não fazer grandes planos, continuo a sonhar. Menos, muito menos, com prazos diferentes, mas ainda não perdi a capacidade de sonhar. Afinal "o sonho comanda a vida", isto mesmo que às vezes tenha a impressão que é a vida que comanda o sonho. Mas isso são outros quinhentos.
Beijinhos.

De Fernando Lopes a 24.11.2014 às 19:02

Confesso que admiro as pessoas que obstinadamente persistem em acreditar neste país. Não fujo porque, aos 51, sou demasiado velho para tal. Mas o ar tornou-se de tal modo irrespirável, que, se pudesse,«dava às de Vila-Diogo».


Beijo.

De Mjoao a 19.12.2016 às 22:22

Penso exactamente assim...perdi capacidades com o passar dos anos, não acredito em nada e assim sobrevivo, mal, descontente e assim o tempo passa...

De Fernando Lopes a 19.12.2016 às 22:26

A maioria de nós terá história muito semelhante. 

De Inês a 25.11.2014 às 12:55

Demasiado velho?! Não concordo nada. Nunca é tarde para mudar. Isso cheira-me a desculpa dada a si próprio.

De Fernando Lopes a 25.11.2014 às 19:16

É mais complexo que isso. Família etc, etc, etc. Uma confissão: Fui visitar o site de emigração oficial da Austrália. Um dos quesitos era idade inferior a 50 anos. Foi como ter levado um calduço do governo australiano, a dizer «és velho, mesmo para nós».

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