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Média-luz.

por Fernando Lopes, 12 Fev 14

Por razões que só o coração conhece conservo um núcleo duro de amigos que remonta à escola primária. Somos quatro, celebramos este ano 43 ou 44 anos de amizade, encontrámo-nos regularmente, idênticos a um slogan vivo da Benetton, completamente diferentes, estranhamente iguais. Um deles deu-me a honra de ser seu padrinho de casamento, é um artista, sempre com a cabeça a fervilhar de novos projectos, imaginativo, místico, boémio e bon vivant. É, aliás sempre foi, o mais bem-parecido de todos, outro defeito lhe não conheço que a necessidade que viver num estado permanente de paixão.

 

Muitas vezes vamos abraçar a Cedofeita da nossa infância, que permanece com encanto balzaquiano, vestindo velhos edifícios com roupas novas. De alfarrabista se fez bar, de loja anódina, glamoroso restaurante. Exploramos esses espaços com a companhia da memória e o deslumbramento da novidade.

 

Sugeriu-me que fossemos a uma petisqueira ali para a Travessa de Cedofeita, onde havia uma imensa carta de tapas, desde os clássicos presunto, alheira, queijos de cabra, pimentos de padrón, pataniscas e um mundo de coisas boas para ferrar o dente. Alegremente, concordei. O local tinha uma decoração composta de pedaços de velhas mobílias, rádios sem préstimo, memorabilia, algo indefinível mas agradável. Quando entramos reparo que o local quase não tem luz e que todas as mesas são alumiadas por uma singela vela. Olho à volta e noto jovens casais estrangeiros, tertúlias de universitários.

 

A empregada, ela própria uma miúda, solicitamente acende a vela da mesa que escolhemos.

- Ó menina apague lá essa porra, que isto não é um jantar romântico, disse eu de seguida, muito seguro de mim.

 

O meu amigo riu-se, gozou comigo, fez-me ver quão patética era a minha estranha atitude. Como não sou gajo de dar o braço a torcer preferi ficar com a vela apagada. Tudo seria normal se não tivesse já os olhos cansados e, sem vela, a lista se tivesse transformado numa mancha ilegível. Pedi-lhe para escolher, só para não dar parte de fraco. Chegadas as vitualhas à mesa, tinha de pôr os olhos muito pequeninos, a força-me para distinguir o que era o quê.

 

Desistir de actuar em modo híper-super-másculo, solicitei que acendessem a malfadada vela e ali ficámos um bom pedaço da noite entre vinhos e pitéus. Moral da história: ataques homofóbicos impedem-te de comer sossegado e partilhar uma boa conversa; ficou a lição, para não me armar em parvo.

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4 comentários

De Alice Alfazema a 12.02.2014 às 17:45

De Fernando Lopes a 12.02.2014 às 18:29

Tenho os meus momentos de fraqueza. Aprendi, o que já não é mau.

De golimix a 12.02.2014 às 18:25

Que hei-de dizer-te?

Só posso mesmo

De Fernando Lopes a 12.02.2014 às 18:31

As mulheres não entendem certos comportamentos. Embora seguro quanto à minha masculinidade, há momentos em que o bronco, taberneiro, preconceituoso, emerge.Acontece nas melhores famílias. :)

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