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Homens da minha cidade, homens de outro tempo.

por Fernando Lopes, 1 Nov 16

Nem tudo é frenético nestes dias solarengos soalheiros que passam. Ontem pude ir a pé para o trabalho. Na volta pediram-me para passar pela maior micro-drogaria da cidade do Porto. Na Avenida de França, em frente à paragem de autocarros, há uma gruta de Ali Babá. É um pequeníssimo espaço, não mais que três metros quadrados para atendimento. Mas o que tem lá dentro, senhores, é de pasmar. Todas as utilidades, insecticidas, produtos para a madeira, soda cáustica, o que se pode esperar e mais alguma de uma drogaria está lá dentro.

 

O senhor que atende terá sessenta e muitos, setenta, cabelo branco encaracolado e olhos azuis de miúdo traquina. Sorri sempre, trata todas as clientes por menina, há uma educação antiga sem servilismo, um ar de guardador de tesouros, num homem, que por muito velho que seja, será sempre um rapaz. Vendeu-me um pião e uma faniqueira por uns modestos dois euros. Devido à procura deste brinquedo extinto por alunos de educação visual e tecnológica, podia ter aumentado o preço. Não o fez, vende-o com o gosto de miúdo que se recorda dessas brincadeiras. Neste tempo de iPads, tem lousas de ardósia e uma série de outras coisas de antanho. Uma personagem que irradia simpatia, ele mesmo símbolo de um tempo que se nos escapa entre os dias.

 

Hoje de manhã, a pé numa volta ao quarteirão, encarei o homem das castanhas, encravado entre a rotunda e a avenida. Boina, barba rija, sentado à sombra cortando as castanhas. Pedi-lhe uma dúzia, notei-lhe os olhos castanhos vivos, a irradiar uma luz não se sabe vinda de onde. Também ele cortês, também ele de um outro tempo. Na minha cidade, até os homens idosos de profissões a desaparecer, são, no seu modo particular, luminosos.

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14 comentários

De Alice Alfazema a 01.11.2016 às 20:32

Boa crónica. Só falta uma coisa a acompanhar este texto: uma fotografia desse garoto traquina de olhos azuis. :)

De Fernando Lopes a 01.11.2016 às 20:44

Eu sei, mas não há nada mais embaraçante que pedir a desconhecidos para lhe tirar uma fotografia. 

De Alice Alfazema a 01.11.2016 às 21:01

Acho que ele não se ia importar. Depois podias mostrar-lhe aqui o estabelecimento que ele iria ficar encantado. É pura antropologia. :)

De Fernando Lopes a 01.11.2016 às 21:19

Tenho lata para muita coisa, mas não chega a tanto.

De josé sousa a 01.11.2016 às 21:09

Olhe que os dias podem ser soalheiros mas não solarengos.

De Fernando Lopes a 01.11.2016 às 21:16

http://www.priberam.pt/dlpo/solarengo

[Informal]  O mesmo que soalheiro.


De qualquer modo obrigado pelo alerta.

De alexandra g. a 01.11.2016 às 23:40

Não, não falta aqui fotografia nenhuma, pode-se mesmo repousar sob este post, aquecedor :D

_________
Uma fotografia não vale mil palavras, nem o contrário,

De Fernando Lopes a 02.11.2016 às 10:14

Gosto muito de fotografar rostos, mas não consigo pedir. 

De Anónimo a 02.11.2016 às 10:44

Esta manhã pelas 9 na Passos Manuel uma espanhola dispara para o marido(?) "no me hables todo el dia". Espero que façam uma visita à gruta e às castanhas para mergulharem nos olhos dos homens da nossa cidade.
Filipe guia sentimental

De Fernando Lopes a 02.11.2016 às 10:46

Costuma ser mais ao contrário, de certeza que o tipo não era arraçado de papagaio?

De Inês a 02.11.2016 às 11:35

E foi nessa mesma drogaria que encontrei um borrifador que me fazia tanta falta e não consegui em mais lado nenhum.
Inês

De Fernando Lopes a 02.11.2016 às 12:55

É fabuloso como num espaço tão pequeno se consegue encontrar quase tudo. :)

De Anónimo a 02.11.2016 às 12:35

A luz também vive nos olhos de quem olha.
~CC~

De Fernando Lopes a 02.11.2016 às 12:55

Obrigado, ~CC~.

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