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Eu e o meu amigo «Jim Beam» (III).

por Fernando Lopes, 20 Jun 16

Combinámos que iria passar por casa dela, na Rua do Almada. Outrora local de venda de ferragens, maquinaria e material de construção, a estreita rua tinha-se transformado primeiro numa zona de bares e restaurantes. Depois os velhos moradores – e velhos não é eufemismo – tinham sido convencidos a saírem dali. As suas modestas casas deram lugar a apartamentos com interiores de design e materiais invulgares a preços exorbitantes.  De duas casas fazia-se uma com enorme sala de 80 m2, cozinha americana e essas pimpineiras. Artistas, boémios, jornalistas, poetas e outras supostas pessoas de sucesso queriam lá morar, ver e serem vistos, saltar de bar em bar, restaurante em restaurante, uma espécie de colibris que oram tocam nesta flor, ora noutra, sem verdadeiramente apreciar nenhuma. Sítio merdosamente na moda para o meu gosto, mas como a Joana é arquitecta de sucesso, apenas uma opção previsível.

 

Estacionei o carro em cima do passeio, como todos por ali fazem e fiquei à espera que descesse. Meia-hora passada, dei um toque para o telemóvel. Talvez se tivesse esquecido, ou mais previsivelmente, se tivesse acagaçado e desistido. Não seria a primeira vez que me aconteceu, não será certamente a última.

 

Mandei lavar e aspirar o carro. Antes tive de deitar fora as garrafas, maços de cigarros amarrotados, beatas. O velho Alfa parece sempre uma pocilga, um reflexo da falta de organização do proprietário. Estou farto, restam-me duas opções: ou me vou embora ou subo, bato à porta, e confronto-a com a falta de educação. Caralho, podia ao menos ter telefonado a desmarcar.

 

Mais decepcionado que furioso subo pelas escadas estreitas até ao terceiro e último andar. Esta chiqueza deve ser muito porreira quando tens de carregar as compras do mês. A porta está entreaberta, grito o nome dela. Nada. Bato furiosamente. Nada. Quando começo a descer as escadas algo me diz que devo voltar atrás, verificar se está bem. Empurro a porta. Apartamento imaculadamente decorado, minimalista, um quadro aqui, umas antiguidades ali. Detesto estas casas que parecem andares-modelo onde ninguém real habita. Quando penso em desistir e descer de uma vez por todas apercebo-me de uma enorme mancha vermelha escura a escorrer pelo soalho. Vem do que suponho ser um quarto.

 

A medo empurro a porta e vejo a Joana, deitada, de robe, a cama e o chão inundados de sangue, a garganta com um corte profundo. Em pânico escorreguei na poça de sangue, caí e fiquei com as calças manchadas daquela papa líquida. O sangue já estava ligeiramente espesso, devia estar morta quando cheguei há três quartos de hora. Além disso não vi ninguém a entrar ou sair do prédio. Pensei fugir, depois ponderei. Não tinha feito nada, estava inocente. Peguei no velho Nokia e teclei 112.

 

(*) Revisão e ideia de arranque desta parte by Pseudo.

(**) Podemos fazer algo giro com isto. Contribuam com ideias para o meu mail, está no perfil.

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27 comentários

De Ana A. a 21.06.2016 às 10:25

É no que dá "referendar" a acção de um livro... 
Nem sempre se deve ouvir a voz do povo! Deve-se impor aquilo que achamos ser melhor para todos! 


De Fernando Lopes a 21.06.2016 às 19:11

Não lhe conhecia essa faceta dictatorial, Ana. 

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