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Ética, por onde andas?

por Fernando Lopes, 13 Fev 14

Frente à entrada do HPP do Porto na Boavista, enquanto fumo um cigarro, ouço um diálogo improvável. Uma romena, longas saias roxas, vende figuras de um qualquer santo a quem entra e sai do hospital. Aproxima-se uma mulher na casa dos 30, mulata, vestida com roupa desportiva. A extrema magreza marca-a como toxicodependente, pode ser apenas faminta. Falam do número crescente de pedintes na artéria:

 

- Se pedem às pessoas três vezes neste bocadinho, ficam fartas, não lhes apetece dar nada, percebo isso. Até já lhes fui dizer que acho mal, que não se deviam fazer de aleijados, sem um braço ou uma perna, até por consideração a estes – e aponta para a entrada do estabelecimento de saúde.

 

Estranho mundo, em que quem vive de moeda alheia, sobras dos outros, mostra ética no seu mester. Os ladrões verdadeiros estão à frente de conglomerados, são julgados em fatos italianos, chamam hipócrita à ambição desmedida que come a alma e lhes paga advogados que cobram três dígitos à hora.

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8 comentários

De golimix a 13.02.2014 às 22:45

É estranho, não é?

De Fernando Lopes a 13.02.2014 às 23:27

Ou como mendigos ou toxicodependentes podem ter um comportamento mais digno, mais humano, que os que se pavoneiam como "empreendedores" e "homens de negócios".

De Carlos Azevedo a 15.02.2014 às 02:24

Os toxicodependentes podem recorrer a subterfúgios para convencerem quem passa a dar-lhes uma moedinha, mas é um jogo em que todos sabem o que está em causa. Os de colarinho branco, por outro lado, julgam-se numa posição social distinta, superior, e assumem o papel social correspondente, embora, na realidade, nada valham. Se existirem momentos, ainda que raros e breves, em que se enxerguem a si mesmos, sem máscara, o que vêem deve ser horrível; de dar pena.

De Fernando Lopes a 15.02.2014 às 13:01

Não creio que tenham essa lucidez, são os novos deuses da sociedade em modo «salve-se quem puder».

De Carlos Azevedo a 15.02.2014 às 21:29

Sim, não excluo -- é até muito provável -- que a maioria nem essa capacidade tenha.

De Carlos Azevedo a 15.02.2014 às 22:08

Ou, se preferires, em modo literário:

«Não se interrogam sobre qual o príncipe que servem - no fundo não servem ninguém senão a si mesmos. Quando estão cansados, deitam-se de costas ao comprido, nas trevas, e dormem até à carnificina do dia seguinte. São homens sem terra, mas toda a terra lhes pertence.»

Par Lagerkvist, «O Anão», tradução de João Pedro de Andrade, Antígona, 2013

De Fernando Lopes a 15.02.2014 às 22:36

Já andei a pesquisar sobre «O Anão» e só te posso agradecer a dica; um «must read». Vens aqui e causas logo enguiço no orçamento. :)

De Carlos Azevedo a 16.02.2014 às 01:42

I aim to please. :-)

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