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Cobardia.

por Fernando Lopes, 22 Jun 17

A minha avó foi a minha mãe. Tinha coisas muito suas, uma vontade férrea, um jeito rude, uma generosidade fora do comum. Cuidou de mim como se me tivesse saído do seu útero, justificava-o com o adágio «parir é dor, criar é amor». Esperou que nascesse a bisneta para morrer, nunca iria sair deste mundo sem antes acarinhar «a menina». Como se tivesse a certeza que me tornaria um pai competente, desistiu quando entendeu que era hora. Tenho de ir ao cemitério para juntar os seus ossos aos do avô. Sei que gostaria disso. E no entanto falta-me a coragem. Porque assim que estiver no ossário sei que terei de admitir que morreu. Até agora encarei a sua ausência como se de uma viagem se tratasse. Deixará de ser assim. Dá-me coragem, avó. Dá-me aquelas palmadas suaves, o mais próximo de um carinho que te permitias. Dá-me aqueles teus olhos azuis a sorrir. Dá-me força. 

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12 comentários

De lucilia a 22.06.2017 às 23:20

O amor

De Fernando Lopes a 23.06.2017 às 01:07

É, certamente, amor.

De alexandra g a 23.06.2017 às 02:48

Quando levei a minha mãe de carro, pela primeira vez, a colocar flores na campa do meu pai, avisei-a que não entraria, o que ela respeitou. Não aguentei, de facto, imaginá-la ali, sozinha, Quando me aproximei, e apesar do dia lindo, soalheiro, juro-te, escutei trovões, a indignação dele, que não me queria ali, e foi a única vez, de facto.


Outra pessoa é a tua avó, e esse amor de anos. Existirá maior força?


__________
A tua história e a minha são iguais, Ferdinand... :)

De Fernando Lopes a 23.06.2017 às 07:42

Temos modos comuns de lidar com a ausência, não é minha querida?


________________
Os nosso pequenos dramas, únicos para nós, são, visto bem, de uma vulgaridade assustadora.

De Linda Blue a 23.06.2017 às 11:55

Eu nunca consegui ir ao cemitério "ver" o meu pai. Sei que não está lá, porque o trago dentro do coração.
Percebo muito bem o que sentes agora. Mas não tenho nenhuma receita.
Só um abracinho.

De Fernando Lopes a 23.06.2017 às 12:58

Agradeço o abraço e retribuo ainda com mais vigor. A parte burocrática é fácil, a exumação é que vai ser complicado. Como no caso do avô, vou ficar ao longe.

De redonda a 25.06.2017 às 03:03

Talvez ajude ir com alguém muito próximo, com quem possa falar ou estar em silêncio, mas que esteja lá.

De Fernando Lopes a 25.06.2017 às 13:07

A minha mulher acompanha-me sempre nesses momentos, de outro modo nunca conseguiria ir. É a exumação que me atemoriza, sou incapaz de olhar para o que resta do que foi a avó.

De Sandra F. a 26.06.2017 às 16:25

Pense apenas no amor que ela sentia por si. É o mais importante. É o que fica, na verdade. Ela vai estar sempre consigo, faz parte de si e também da sua filha.

De Fernando Lopes a 26.06.2017 às 20:14

É verdade. Obrigado, Sandra. Mesmo.

De Anónimo a 29.06.2017 às 08:09

Se pudesse iria contigo. A minha avó Natalina também tinha olhos claros que pareciam estar sempre a chorar pelos males do mundo.
Forte abraço do Filipe zarolho.

De Fernando Lopes a 29.06.2017 às 19:11

Obrigado, Filipe Zarolho.

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