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Cisma grisalho.

por Fernando Lopes, 20 Set 16

O restaurante onde almoço diariamente tem tido um empregado novo quase todas as semanas. Primeiro foi um jovem, mesmo muito jovem, depois um rapaz empertigado com ar de quem estava a servir caviar e não bife com molho de francesinha, um outro já perto dos sessenta com enorme boa vontade e memória curta. A transformação social e cultural que vivemos, a crise, o medo de perder o emprego, a competição desenfreada, levaram a que seja cada vez menos agradável trabalhar, o trabalho passou a ser mais palco de luta pela sobrevivência que local de camaradagem.  Muitos patrões aproveitaram este momento de mudança de paradigma para exercerem poder de uma forma arbitrária, discricionária, transformando o trabalhador numa «coisa» facilmente permutável. Quando vi por lá o senhor, já bem passado dos cinquenta, confesso que tive uma certa pena por um tipo daquela idade ser obrigado a competir com miúdos que poderiam ser seus filhos, quase netos. Não deve ser fácil. O momento político anterior aplicou a velha máxima do «dividir para reinar». Pegou, e tendemos a ver no vizinho do lado um competidor em vez de um companheiro. Pôs novos contra velhos, trabalhadores do privado contra os do público, a isto chamou «cisma grisalho». Temo que este momento, como um cancro, tenha alastrado de tal modo pela sociedade que seja difícil voltar aos tempos em que nos ajudávamos uns aos outros. Sempre houve conflitos, ambições, egos inflados, graxistas, sacanas, mas eram uma minoria que se negligenciava como algo disfuncional.  Hoje são esses e os idiotas úteis altamente valorizados, sobreviventes a não se sabe quê ou quem. Uma sociedade que perde a sua humanidade nos ambientes de trabalho, inexoravelmente, irá perdê-la em todas as outras áreas.

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16 comentários

De redonda a 20.09.2016 às 23:21

Hoje quando na hora do almoço passei pela padaria em cidade local de trabalho para comprar um italiano para o devorar durante a tarde, não estava lá absolutamente ninguém para atender...havia pessoas que terminavam o almoço, uma senhora desabafava em voz alta ao telemóvel, mas não estava lá ninguém do lado de lá do balcão (e já vou conhecendo quem me atende, normalmente estão por lá quatro funcionárias e um funcionário, e todos tinham misteriosamente desaparecido...) até que comecei a ouvir lá do fundo várias vozes a cantarem Parabéns.

De Fernando Lopes a 20.09.2016 às 23:49

Obviamente existirão ambientes de todo o tipo. Quem trabalha há 30 anos como eu, nota que os tempos são mais de rivalidade, menos de colaboração. Ou então, também eu estou velho. :)

De redonda a 20.09.2016 às 23:54

Completamente de acordo com a 1ª frase e em desacordo com a última :)

De Fernando Lopes a 21.09.2016 às 00:01

Quando ia buscar a minha filha à escola ia a ouvir a Comercial. Comentavam o divórcio do Brad Pitt e Angelina Jolie. Sabes o que é que a gaiata do programa diz? Que o Brad Pitt já é uma antiguidade. Tal como eu, nasceu no ano da graça de 1963. Já tenho o estatuto de relíquia. :)

De redonda a 21.09.2016 às 00:09

que nada, a idade é algo muito relativo (lembro-me de ter onze e pensar que aos dezoito seria adulta e aos vinte um, velha) para uma jovem de sessenta serás um miúdo :)

De Fernando Lopes a 21.09.2016 às 00:12

Isso é como os velhotes que dizem «morreu um rapaz da nossa idade». :)

De henedina a 21.09.2016 às 08:39

E é pelo diário do purgatório que sei do divórcio da Angelina Jolie...
Qto a nova geração sem lealdade há de tudo...mas qdo são desleais são o cúmulo da deslealdade...até a náusea.

De Fernando Lopes a 21.09.2016 às 12:30

Existirão excelentes ambientes, a relação tem muito mais a ver com o carácter que com a idade. A minha observação é que, em geral, houve degradação nas relações laborais.

De henedina a 21.09.2016 às 12:38

Houve, há mas tem a ver com o carácter e educação. Apenas o cisma grisalho criou a opinião nos mais jovens que os mais velhos são previligiados e nos que já tinham deficite de caracter justifica a deslealdade desenfriada mas tb há mais novos iguais a nós na mesma idade. Honestos, trabalhadores, genuinamente a querer aprender sem ser para apenas para contrapartida monetária...leais a quem ensina.

De Fernando Lopes a 21.09.2016 às 12:53

Isso é uma lei geral. Somos em grande parte o carácter que nos ensinaram. 

De Genny a 21.09.2016 às 11:26

Bom dia, Fernando!
Vivemos num tempo em que os patrões têm a faca e o queijo na mão. É tão frustrante estar assim no local de trabalho, a viver dias de incerteza.

De Fernando Lopes a 21.09.2016 às 12:31

É assim em muitos locais, noutros não. Mas acho que hoje em dia é mais difícil.

De Anónimo a 21.09.2016 às 12:00

Eu tenho a idade que tenho (informação confidencial) e ninguém me dá trabalho a não ser uma proposta para participar em sessões de troca de casais.
Filipe a ponderar

De Fernando Lopes a 21.09.2016 às 12:32

Eu sei, pá. Infelizmente, não és caso único,

De pimentaeouro a 24.09.2016 às 22:22

A contratação colectiva, os direitos de quem trabalha, tudo isso pertence ao passado, a um passado cada vez mais distante.
Temos trabalho descartável, quando há.

De Fernando Lopes a 25.09.2016 às 10:55

Nada mais verdadeiro, João.

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