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«andar».

por Fernando Lopes, 27 Jun 16

É melhor eu explicar o conceito de «andar» com alguém, já que o tempo o alterou. Falei recentemente com uma amiga, cuja filha chegara ao pé dela num estado de aflição. Estava no segundo trimestre da universidade e tinha dormido com um rapaz que andava – abertamente e com conhecimento dela – a dormir com várias outras raparigas ao mesmo tempo. O que ele fazia era uma audição a todas, antes de decidir com quem viria a «andar». A filha estava perturbada não tanto pelo sistema – embora se apercebesse da sua injustiça – mas pelo facto de, no fim, não ter sido a escolhida.

 

Isto fez-me sentir como um sobrevivente de uma cultura antiga e ignorada, cujos membros ainda usavam nabos esculpidos como forma de troca monetária. «No meu tempo» – e embora na altura eu não revindicasse tal propriedade, agora ainda a revindico menos – era isto que costumava acontecer: conhecíamos uma rapariga, sentíamo-nos atraídos por ela, tentávamos cativá-la, convidávamo-la para um ou dois eventos sociais – o pub, por exemplo – depois convidávamo-la para sair a sós, convidávamo-la de novo e, após um beijo de boas noites de intensidade variável passávamos, por assim dizer, a «andar» com ela. Só quando estávamos prática e publicamente comprometidos, é que descobríamos a política sexual dela. E por vezes isso significava que o corpo dela era tão estrito e reservado como uma zona de pesca exclusiva.

 
JULIAN BARNES IN «O SENTIDO DO FIM»

Barnes nasceu em 1946, eu em 1963. Os dezassete anos que nos separam, Leicester onde nasceu e o Porto que me pariu são tão próximos na descrição do que era «andar» no final dos anos 60 do século passado e nos inícios dos 80, que estas palavras poderiam perfeitamente ser minhas, da minha geração. Estas e outras fazem-me sentir que já não sou deste tempo e que não quero que este tempo seja o meu.

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1 comentário

De alexandra g. a 27.06.2016 às 23:36

permite-me que acrescente o seguinte: quando se tem filhas, menos ainda...

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