Diário do Purgatório © 2012 - 2014
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"Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better."
por Fernando Lopes, 9 Abr 15
Quem ler as minhas crónicas campestres pensará no pacóvio citadino que vê poesia onde outros vêem escolhos. Gosto da montanha, gosto sobretudo das pessoas, mas sei bem que há mais lágrimas que poemas no dia-a-dia daquela gente que também é a minha, uma forma ancestral de mim. Vêm-me à memória as palavras de Pedro Homem de Mello, popularizadas por Amália no fado Povo Que Lavas no Rio: «Pode haver quem te defenda/ quem compre o teu chão sagrado/ mas a tua vida não.»
Lembro-me disso sempre que encaro com o homem minúsculo que vive à minha frente. É pequenino, com umas mãos proporcionalmente disformes, uma espécie de hobbit que trocou os pés gigantescos por mãos enormes. Usa sempre uma pequena boina e está sujo, não um sujo de não tomar banho, antes como se ele e a terra se tivessem fundido e fossem uma e a mesma coisa. A mulher padece de uma doença neurológica, perdeu o tino, mas ele não a abandonou, e em dias como o de hoje vejo-a numa cadeira a repetir uma lengalenga incompreensível.
O médico mais próximo está em Arcos a sete quilómetros de distância, hospital só o de Ponte do Lima a mais de vinte. Vale-lhe o apoio do estado social que os liberais pensam desnecessário e gastador. Uma carrinha de apoio domiciliário ajuda-o na higiene da mulher e providencia refeições ocasionais. Não está só, apenas esquecido por Deus.
O quadro campestre está pintalgado destes pequenos dramas, vidas que não são de se viver. Não passo de um estranho com quem partilham ocasionais angústias. Lampeja-me na memória a sentença do burguês, antropólogo e poeta: mas a tua vida não.
por Fernando Lopes, 8 Abr 15
A garniza amável
Após uns dias sem blogue, manifestou um dos leitores preocupação pela falta de actualização do mesmo. Sei que não é a qualidade da prosa, mas os afectos que nos ligam. Deslocou-se este vosso servo ao seu abrigo nas portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Sem possibilidades de blogar, viu ao longe as festividades da Senhora do Vale, passeou por fragas e veredas, comeu como um abade e bebeu como vários.
As cabras do vizinho a dizerem: «Olá, Fernando. Por aqui?»
Sabem os habitués do meu enorme amor e respeito pelos animais, da relação de empatia que crio com facilidade com qualquer bicho. Como São Francisco de Assis com um físico de Buda, nem uma aranha mato, limitando-me a pegar nos rastejantes e expulsá-los porta fora.
A «burra do meu filho».
Estes dias foram particularmente profícuos no estabelecimento de novas relações: a garniza do vizinho resolveu fazer ninho no meu jardim e tomar banhos de sol na varanda. Ao contrário do comum nestes bichos, em vez de arisca era particularmente sociável, não mostrando receio ou aversão ao contacto humano. As cabras do outro já me conhecem, olham-me beatificamente enquanto roem espinhos. Dei com elas num penedo, num dos seus habituais exercícios de equilibrismo sem rede. Fiz também amizade com uma burra extremamente dócil, que quando perguntei o nome ao meu pequeniníssimo e empedernido morador da frente me disse ser simplesmente «a burra do meu filho». Por entre serras e penedos o baptismo de animais parece um luxo de citadino, e «a burra do meu filho» é um nome tão bom como qualquer outro.
por Fernando Lopes, 12 Fev 15
Vai este blogue proporcionar aos seus amigos um merecido descanso. Escrevo amigos e não leitores porque sei que é preciso ser genuinamente amigo para aturar os disparates que povoam este espaço. Pensei em ir ao Carnaval da Mealhada afogar-me em leitão e espumante manhoso enquanto assistia ao corso, a Ovar ver moças roliças a tiritar de frio enquanto degustava o famoso pão-de-ló da terra, ou passar por Torres e admirar a gay parade das matrafonas que aproveitam estes dias para dar largas à homossexualidade reprimida a bem dos costumes durante o resto do ano. Como o Carnaval é festa a que sempre fui indiferente, tendo até alguma repulsa por gente com mais de 10 anos que se resolve fantasiar, vai o purgatório de armas e bagagens para o único luxo que lhe resta, a sua casinha de campo que se vê na foto acima. Descansem de mim que bem merecem. Volto já.
por Fernando Lopes, 4 Jan 15
Observei as brumas até ao Soajo, irmãs das que me assombram,
espreitei pela janela à procura da luz,
e o sol sobre o rio Tora parecia indicar-me o caminho,
ou seria o divino?
Perguntei aos animais,
mas as portas da sabedoria estavam fechadas.
«Perguntem às aves que cantam, aos regatos de alegre serpentear»
por Fernando Lopes, 18 Ago 14
Este fim-de-semana tive por companhia um casal amigo e os filhos. O pai é um tipo de estatura média, nem gordo nem magro, careca a despontar e sorriso franco. Diz o que pensa sem fosquinhas, uma bela base para estabelecer amizade. Ficou decidido que faria os churrascos, porque também ele um incondicional da boa mesa e boa pinga. Começou a tratar das brasas, faltando no entanto um abanico.
- Se não te importas, procura nos arrumos. Não te assustes por estar tudo num caos.
Vinte minutos passados, nem sinal do visitante. Desço ao jardim e vejo um monte de lixo cá fora e tudo muito limpo e arrumado.
- Aproveitei para arrumar isto e já encontrei o abanador.
Dedicou-se depois à canalização, tendo-se proposto substituir um cano velho de uma pia, tarefa que realizou com rapidez e eficácia. Como a velha mesa exterior de refeições estava a precisar de uns ajustes, logo a desmontou, apertou aqui e ali, deixando-a operacional para mais uma temporada.
Como sou um desastre em bricolage, pouco mais ajudei que a fazer de «chega-me isso». Se ficasse mais uns dias lá por casa estou certo que me renovaria o casebre por completo. Fiquei ali, embaraçado e aparvalhado, sem saber se havia de lhe pagar em pão e vinho, passar um cheque ou contratá-lo como supervisor de obras. Pelo sim, pelo não, vou passar a semana a treinar aperto de parafusos, montagem de canos e afins.
por Fernando Lopes, 17 Ago 14
Passei por Ponte da Barca,
curti cogumelos psicadélicos
e viajei numa trip de verde.
Vi espigueiros com antena de TV,
e andorinhas «electro».
por Fernando Lopes, 27 Jul 14
(o estafermo da buganvília)
Podes estranhar o título do post. Hoje em dia todos os escrevinhadores titulam entre o poético e surrealista, está na moda, e eu, velho cínico, sigo a tendência com trejeito hipócrita, um esgar no canto da boca. Ter uma casa no campo é fonte inesgotável de alegria, surpresa e despesa. Nunca sabes o que vai encontrar, há sempre arbustos a cortar, uma lâmpada fundida de que não tens substituto, um problema com algum electrodoméstico.
por Fernando Lopes, 18 Mai 14
Aproveitei para apreciar a paisagem,
descobri que esta planta lá do jardim se chama lava-garrafas,
li um bocado,
e fui molhar os pés à cascata.
por Fernando Lopes, 20 Abr 14
Vou muito menos que desejaria ao lugar que adoptei ou que me adoptou, já não sei bem. É o lugar do Casal, freguesia do Vale, Arcos de Valdevez. Fizemos a viagem em pouco menos de uma hora, cem quilómetros, paragem para almoço no snack-bar café Cunha. Duas costeletas de vitela depois, a subida. A casa fica numa encosta, o anterior proprietário criou uma varanda de 20 ou 30 m₂ de onde só se avista monte e uma estrada se exibe e oculta entre curvas, num jogo quase erótico de adivinhação.
Sento-me e sinto-me enorme e pequeno, contemplativo, admirando as rolas em voos e arrulhar de sedução. Embora não seja comum, e há muito os cavalos tenham sido substituídos pelas moto 4 e afins, hoje, o barulho dos cascos a bater no asfalto. Quatro homens passeiam-se a cavalo e o som sincopado dos cascos soa melhor que a mais excelente world music.
Ali, como em todo o espaço ocupado pelo homem, há traições, conflitos, rivalidade, desprezo, ódio. Não é dia para reflectir sobre a rudeza do campo, as caçadeiras que todos têm em casa, a faísca que pode ser ignição de conflitos. Como um buda, sento-me, observo, inspiro. A visão, o silêncio das montanhas bastam para limpar a alma deste citadino.
Interessante chegar aqui anos mais tarde aqui e pe...
Achei muito interessante atualmente esta sua posta...
boa tarde , estive neste sitio esta semana e pergu...
O Pretinho do Japão é citado, como profeta, em Ram...