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Fernando, o que fazias com 25 milhões de euros?

por Fernando Lopes, 30 Jun 15

Jogo regularmente no euromilhões, tanto com os meus colegas de trabalho como a solo. Consciente que nunca serei rico – nem estou certo se estaria preparado – gasto dois euros, porque infantilmente me divirto a sonhar, preço baixo para voar sobre a terra da fantasia. Aqui chegado, o meu sonho não é muito diferente do pensamento do operário, da dona de casa, ou de qualquer outra pessoa vulgar. Primeiramente comprava uma casa para a restaurar. Farto de edifícios novos, cansado de ver a baixa transformada numa Disneylândia de comes e bebes, apostaria forte na reconstrução de um edifício com «estória». Começa a ver-se por estas ruas uma actividade de restauro que muito me agrada. Contribuiria comprando o velho Instituto Francês, na Praça da República, outrora cheio de charme e vida, hoje um triste destroço.

 

Pronto, sou um bimbo, comprava também um carrito desportivo, estando no top das preferências um Nissan GTR. Queria conhecer o Perú, o umbigo do mundo – Cusco- perder-me no meio das gentes, passear pela Ásia, Nova Iorque, ver mundo. Feitas as contas sobram milhões que se farta.

 

É aí que sou talvez um pouco diferente da maioria. Acredito que com grande dinheiro vem grande responsabilidade. Como sou amigo de uns advogados janotas, investiria 20% da massa a ajudar os outros. Quem são os outros? Velhos, crianças, sem-abrigo. Lembro-me disto sempre que passo pelo velho albergue do Porto, vejo um puto ranhoso ameaçado pela progenitora, observo as minhas velhinhas a arrastar o carrinho de compras com sofrimento, mas também uma enorme dignidade.

 

E tu? Com que sonhas quando fazes as cruzinhas no boletim?

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Nada nem ninguém passou intocado pela crise. Todos vimos amigos, familiares, conhecidos, caírem no desemprego, emigrar, ter um orçamento brutalmente reduzido, assistimos quase placidamente ao aumentar das desigualdades entre os que mandam e a massa informe a que se convencionou chamar povo.

 

Exacerbaram-se os egoísmos, e chegou-se ao estado actual do «salve-se que puder», tão do agrado dos nossos governantes. Sempre procurei lutar contra este instinto básico, em que o homem perde o que lhe é mais nobre: a capacidade de entreajuda, de se colocar no lugar do outro.

 

Ocasionalmente dou por mim a desejar que um ou outro estafermo se espalhe contra a parede, que morra envenenado com a mordedura da sua língua bífida.

 

Entristece-me profundamente, porque por momentos não sou melhor que eles, apenas mais um náufrago egoísta que se procura agarrar a uma bóia sem olhar para quem está ao lado. Reconhecer que atraiçoamos o nosso modo talvez seja o primeiro passo para que tal não se repita. Ou então não somos tão sólidos como julgávamos, e o nosso carácter, também ele ocasionalmente fraqueja.

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Já ninguém escreve cartas.

por Fernando Lopes, 28 Jun 15

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Passei por eles, um azul, outro vermelho, e dei-me conta de que em breve os marcos de correio desaparecerão. Nestes tempos de urgência, de comunicação imediata, são cada vez mais uma idiossincrasia. Recordei o tempo em que escrevia cartas de amor, dos bilhetes entregues à socapa à menina dos caracóis longos, da solenidade existente no acto de colar o selo, endereçar a missiva e deixá-la num marco de correio. De como procurava usar a minha melhor letra no endereço, do cuidado em escrever o remetente em letras mais pequenas. Sou um resistente, nunca aceito a substituição das cartas por pdfs, ainda recebo todas as contas por correio tradicional. Já só me escreve a EDP, NOS, a companhia das águas e pouco mais. Dei-me conta que a culpa também é minha, só sei endereços electrónicos, não envio uma carta a ninguém, nos últimos anos apenas meti no marco despesas de saúde para comparticipação dos serviços médicos sociais. Provavelmente esqueci como se escreve à mão. Triste, não é?

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O cruise control do meu tempo.

por Fernando Lopes, 26 Jun 15

Falávamos de carros, eu e um rapaz da minha idade (adoro esta expressão porque pode ser usada sem estranheza até aos 90). Naqueles tempos distantes poucos tínhamos carro antes de começar a trabalhar. O meu primeiro veículo foi um Fiat 127 que tinha pertencido ao avô. Obrigou-me a pagá-lo e depois devolveu-me o dinheiro. Troquei-o por um Renault 5 e jurei que nunca mais teria carro daquela marca. Mudei bateria, cabos, alternador. Nada. Bastava chover para se recusar a sair do sítio. A coisa era de tal forma que, em noites em que se antecipava pulviosidade, já o deixava estacionado numa descida para «pegar». Um dos meus maiores alívios foi ter-me despachado da coisa e ter arranjado motorização normal.

 

Entre essas peripécias lembrou-se de uma coisa relativamente vulgar nos anos 80, o cruise control manual. Como os utilitários daquela época não passavam dos 120 à hora, muitos usavam um taco de bilhar sem a ponta, entalavam-no entre o banco e o acelerador, e assim, nas viagens nas poucas auto-estradas da época, se descansavam as pernas.

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O poder da adjectivação.

por Fernando Lopes, 25 Jun 15

Se aquela miúda em que estás de olho te define como «fixe», «fofo», «porreiro», ou «interessante», lamento, caro amigo, mas não tens hipótese. Dotadas de maior inteligência, e consequentemente maior vocabulário, estão a pôr-te ano nível do que definirias como «uma tipa simpática».  

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 Porque as estórias têm sempre um rosto: o bando, a adolescente e o dançarino enlouquecido.

 

Noite de S. João. Como já se está a tornar hábito, passamos pelo «Rádio» para beber umas cervejas e dançar. O DJ do sítio, de nome Salazar, tem escolhas completamente incoerentes, e é essa a sua grande qualidade. Num segundo podemos estar a ouvir Doce, no seguinte AC/DC. É muito raro dançar, e desligo-me do mundo, como se apenas eu a música existíssemos. Tinha jantado com um grupo de queridos amigos, estava ligeiramente bebido e desatei a dançar.

 

Quando desperto da possessão, uma jovem adolescente, filha de companheiros de farra, olha-me entre o incrédulo e o divertido. No rosto, estampada a sentença: «o cota é meio choné, mas rocka». É assim pequena, há velhotes que se divertem sem medos ou convenções. Eis um.

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O Purgatório feito pelos leitores.

por Fernando Lopes, 23 Jun 15

10709486.jpgImagem enviada por um leitor. O local parece a Praça do Marquês no Porto.

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Diálogo imaginário entre Schäuble e Merkel.

por Fernando Lopes, 22 Jun 15

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- Victórrrria, her Schäuble, os grrregos estão a cederrr em toda a linha.

- Einen moment, ainda não os temos a rastejarrrr perrrrante a superrrioridade gerrrmânica, frau Merkel.

- Mas, Schäublezinho, os pobrezzzinhos já estão até ao osso.

- Ninguém os mandou viverrrr acima das possibilidades.

- Reparrra que eles endividarrram-se parrra comprrrar submarrrinos e carrrrros alemães.

- Stopp!  Não digas mal da glorrriosa indústrrrria alemã! Querrres que te atrrropele com a minha cadeirrrra.

- Já que falas nisso podias trocar essa por uma Maybach. Fiquei impressionada como o slogan «Um Maybach é como um deus alemão, até dá gás aos paralíticos».

- Pois, mas já sabes que sou frugal. Além disso contrrratei um engenheirrro português que sai infinitamente mais barrato que uma cadeirrra topo de gama.

- Estás a insinuarr que usas a misérria dos outrosss em teu benefício?

- Nunca! Já te falei na mulher-a-dias grega que contratei? Belíssima e de uma eficiência a toda a prova. Boa demais parra os morcões dos gregos. E doutorrada em Finanças, o que me dá um jeitaço no Excel e nos relatórrios.

- Começo a sentirr-me culpada.

- Está calada que a seguir ainda temos portugueses, espanhóis e italianos parrra esfolarrr.

- E depois a quem vendemos as nossas coisas?

- Fazemos o mesmo com os chineses e dentrro de 30 anos o IV Reich estarrrá mais vivo que nunca. Ahahahahaha (gargalhada sinistra).

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O fracasso da química.

por Fernando Lopes, 21 Jun 15

Os milagres da química já não surtem efeito. Há anos que tomo logo pela manhã Cipralex, uma qualquer droga que me devia afastar do estado depressivo. Antes de deitar, entre uma catrefada de pastilhas, engulo um Victan, outra treta que é suposto moderar a ansiedade. Nenhuma das drogas resulta. Analisando friamente a coisa, é provável que tenham adormecido uma tendência suicida, um estado catatónico de depressão profunda de que ocasionalmente padeço. Chego à triste conclusão que surtem apenas efeito no meu comportamento relativamente aos outros. Alguns chegam a achar-me um tipo normal, até bem-disposto. Na verdade sou dois eus, o que desejaria derreter no esquecimento, e o que estupidamente se agarra à vida, aos amigos, família, prole. Acabei de acordar de um sono longo de treze horas e o que mais desejava era retomá-lo para a eternidade.

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Melhor que pagar juros à Alemanha.

por Fernando Lopes, 20 Jun 15

#rmm_dama_avenida_04.jpgImagem retirada do site http://www.porto.pt/

 

 

A câmara do Porto planeou uma série de actividades e concertos por época das festas de S. João. Ressuscitou a Boavista, dinamizou as Fontainhas, está a organizar mais de 200 eventos. Os de maior impacto popular serão certamente os concertos na Avenida. Ontem a filha pediu para ir ver os D.A.M.A.

 

#rmm_dama_avenida_07.jpg

 Imagem retirada do site http://www.porto.pt/

 

Uma alegria ver a velha avenida cheia de novos e velhos, pulsante de vida, a cantar e a dançar. Um amigo não resistiu a verbalizar o que se diz à boca pequena:

 

- Não falta dinheiro. Os concertos devem ter sido caríssimos.

- Melhor que pagar juros à Alemanha, respondi eu.

 

Siga a festa.

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