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Não-Pessoas.

por Fernando Lopes, 31 Mai 15

Considero-me uma pessoa de pessoas; gosto de pessoas de um modo geral, algumas estabeleceram poiso seguro no meu peito. No entanto, nestes últimos dias, não quero ver ou falar com ninguém. Porque as não-pessoas, uns seres humanos repelentes, sem dignidade, carácter, sabedoria que se veja, encontro-os em todo o lado. Cheiram a enxofre, têm um maquiavelismo tão diminuto como a sua estatura humana. Sussurram em vez de falar, alimentam-se da pequena intriga, parecem sabujo feliz com o fétido do ar.

 

Impregnam tudo e fazem-me esconder repugnado. Pensei consultar um psicólogo, vidente ou bruxo, que me dessem químico ou unguento para afastar esta peste, capaz de manter os meus níveis de desprezo tão altos como sempre.

 

Amanhã é um novo dia, tempo de sair da toca, voltar a vestir a armadura, caminhar direito, embeber-me em repelente e ignorar as não-pessoas. Sei que estarás por aí, a acolher-me no teu abraço invisível de terna amante, me passarás os dedos etéreos pelo cabelo, me sussurrarás, shhhh. E tudo estará bem.

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We’re not yet occupied.

por Fernando Lopes, 27 Mai 15

Tirei um dia de férias para tratar de burocracias. Na baixa, um alemão dirige-se-me na sua língua nativa. Provavelmente um lapso, já que tal nunca me tinha acontecido. Apesar de tudo não resisti.

 

- We’re not yet occupied, speak to me in a language of people, such as english, french, spanish or italian.

 

Perante a estupefacção do homem fui à minha vida, às tantas deixando-o a desejar ardentemente o regresso do III Reich.

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Mar pela frente, deserto nas costas.

por Fernando Lopes, 26 Mai 15

praia de chaves.jpg

 

A marcação das férias de família é sempre um momento de alguma fricção. Uns sentem-se mais atraídos por um destino que outros. Já corri dúzias de lugares, e nas férias de Verão prefiro sempre a praia. Paris, Barcelona, Londres, Madrid e outras cidades europeias não são o meu destino favorito. Sou por natureza um homem do sul. África, sempre África, o meu continente de eleição.

 

Há algo mágico que ainda e sempre exerce sobre mim enorme apelo. O sonho era Zanzibar, o destino possível a ilha da Boavista em Cabo Verde. Uma ilha minúscula, meia-dúzia de habitantes. A recente abertura ao turismo de massas possibilita uma viagem a preços «aceitáveis». Há muitos anos estive na Ilha do Sal, antes da explosão de resorts. Comi croquetes de atum e bebi cerveja na esplanada do Mateus. Vi os barcos de pesca chegarem com douradas de mais de meio metro. Apreciei a musicalidade dos locais, onde qualquer lugar é bom para tocar, em que a dificuldade faz com que quase tudo sirva para instrumento.

 

Quero sair do hotel, voltar a falar com os homens do mar, puxar conversa com as pessoas, brincar com as crianças, passear pelas dunas.

 

Muitos acham estranho, assim é o meu ideal de férias: mar pela frente, deserto nas costas.

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Atirei o pau ao gato.

por Fernando Lopes, 25 Mai 15

Os mesmos que se indignam com o exercício de física em que o Diogo larga um gato pela janela do seu quarto a 5 metros do solo – um modesto segundo andar, portanto – há 10 anos achavam imensa gracinha ao Dioginho a cantar: «Atirei o pau ao gato, to, to ….» A pedagogia e o respeito pelos animais vêm desde o berço, ó indignados de merda.

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Ladrão de cromos.

por Fernando Lopes, 25 Mai 15

A descendente convence-me a algo que detesto, levantar-me cedo a um domingo de manhã. Colecciona uma espécie de totens, de seu nome Abatons – está sempre a coleccionar algo, um T10 não chegaria para albergar as «preciosidades» que mãe e filha guardam – e foi informada por um colega do colégio que na Praça D. João I se encontram destas fealdades para completar o estojo dos bonecos.

 

Tinha estado a ler até às 3:30 e é ainda estremunhado que chego ao local. Há os clássicos coleccionadores de moedas e cromos, bancas variadas, gente que procura peças raras, revistas ou selos em falta.

 

Encontramos um casal na casa dos 40 que vende os bonecos a preço mais que razoável, 20 cêntimos a unidade. Ajoelha-se a cria e a vendedora, e durante uma boa meia hora procuram entre sacos e sacos de bonecos. Consegue encontrar 12 dos 15 que lhe faltam.

 

Entramos agora no domínio das peças raras e pesquisamos entre outros vendedores. Um deles, com mais jeito para o negócio e olhando para o meu ar desesperado pede-me 3 euros por um boneco. Sinto-me roubado mas não estou para discutir preços e pago contrariado. Esse mal gasto dinheiro é compensado com uma história.

 

Ao que me diz, coleccionadores aproveitam para trocar cromos e só posteriormente, em desespero de causa, os compram aos vendedores de banca montada. Há algum tempo numa troca entre uma criança e um homem de mais de 50 anos, alguém se apercebe que este está a roubar cromos à criança. Dado o alerta o pai do infante dispõe-se gratuitamente a partir as trombas ao larápio. São precisos três para o segurar e tem o outro de elaborar retirada estratégia antes que lhe sejam subtraídos alguns dentes.

 

Um mundo estranho este dos maníacos das colecções.

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O sexo e a meia-idade.

por Fernando Lopes, 23 Mai 15

Há uns anos, um homem da minha idade, no dealbar da perda das suas capacidades sexuais, comprava um descapotável. Antes do Viagra, Cialis, e outras drogas do género, a pose de macho maduro e bem de vida seria suficiente para os tranquilizar. O envelhecimento e a perda progressiva de capacidade sexual é tema de que nenhum homem fala. Ontem por vergonha, hoje porque a química ultrapassou esse problema. Porque o apelo ao vigor, à juventude como valor único, nos entra pela casa dentro, seja pela publicidade ou socialmente imposto, ninguém quer admitir que está a envelhecer, principalmente a nível sexual.

 

É agora comum ver homens da minha idade mandar piadas laterais a mulher de 40 porque «são demasiado velhas». A minha geração é a primeira a quem é proporcionada a possibilidade de ser reprodutor quase ad aeternum.

 

Seria normal, aceitável, desejável até, se fosse para prática e consumo caseiro. Acontece que este «milagre» faz com que muito boa gente perca a noção do ridículo, deixe mulher e filhos para viver uma juventude falsa em que se faz acompanhar de pitas de 20 anos, com uma virilidade plástica comprada na farmácia.

 

Não sou moralista, cada um vive a sua vida como quiser, acho normal que homem mais velho se apaixone por mulher mais nova ou mulher madura por rapagão. Amamos pessoas, não idades. Não acho sensato que se mande uma vida a dois às urtigas apenas porque uma pílula nos permite ter erecções como há 30 anos. E há tanto disso por aí que já começa a ser praga. Não tardará o tempo em que séniores terão falos entumecidos sem estarem absolutamente seguros sobre o que fazer com eles.

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Beija-me.

por Fernando Lopes, 22 Mai 15

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Os homens matam, morrem por um beijo, por aquele momento em que por entre os lábios passa um sopro de alma. Esse beijo faz-nos transpirar as mãos, tremer as pernas, acelerar o coração. Um beijo assim não é apenas vida, é amor para sempre num segundo de eternidade.

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«Mas ele foge, irreversivelmente o tempo foge»

por Fernando Lopes, 21 Mai 15

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Remexo na carteira à procura de papéis velhos, cartões sem préstimo, talões de compras, vinhetas expiradas de seguros. Encontro esta fotografia, velha de dez anos, e detenho-me a pensar como o tempo passa de modo quase imperceptível. Isto foi ontem, no entanto a bebé que está ao colo já fez dez anos. Recordo-me vivamente de como adormecia deitada sobre a minha barriga ao som de um DVD dos Placebo ao vivo em Paris. «Mas ele foge, irreversivelmente o tempo foge», já o sabia Virgílio.

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Como pode um ateu sobreviver a uma missa.

por Fernando Lopes, 20 Mai 15

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Vou a missas em duas situações: casamentos e funerais. Não tenho educação católica, nunca fui baptizado, todos os rituais religiosos me são estranhos. Frequento estas cerimónias porque anseio partilhar a alegria dos noivos ou prestar respeito aos mortos e carinho aos seus familiares. As missas têm um ritual de levanta-senta que não é de fácil entendimento para o não habitué. Já assisti a várias em que o sacerdote fazia sinal para sentar ou levantar, facilitando a vida aos fiéis distraídos ou frequentadores ocasionais. Na última reparei num rapaz à minha esquerda que tinha a seu lado a cesta da colecta. Meu dito, meu feito. Fixei-me nele e cumpri o culto sempre com o ritmo certo, melhor que muitos católicos praticantes. O moço levantava-se, Fernando de pé. Sentava-se, Fernando sentado. Ajoelhava-se … Fernando de pé. Nas cerimónias com muitos ímpios o ideal seria a colocação de um semáforo, verde para ficarmos de pé, vermelho para sentado. Com uns bonecos personalizados a coisa ficava gira e poupavam-se uma série de embaraços.

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O polícia brutamontes e o pai cretino.

por Fernando Lopes, 19 Mai 15

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Tinha prometido a mim mesmo não escrever sobre este tema, mas é mais forte que eu. A indignação da semana é a pancada que um adepto do Benfica leva frente ao filho. Que fique bem claro que a violência do guarda é absolutamente selvática e digna de condenação. Que fique igualmente claro que um pai que leva uma criança de tenra idade para um jogo de alto risco é um completo cretino.

 

Paineleiros e comentadeiros são unânimes na condenação. Sou pai de uma criança mais ao menos da mesma idade. Levá-la-ia a um jogo de alto risco? Absolutamente, não.

 

Os comentadores da praça vêem-se nos anos 70 e 80 em que era comum uma família assistir a um jogo de futebol. Já não o é, pelo menos nestes grandes desafios. Envergonho-me quando os adeptos do meu clube vão a Lisboa e se divertem a pilhar estações de serviço pelo caminho. Lastimo o estado em que benfiquistas ou sportinguistas deixam a carruagem de comboio que os trouxe ao Porto. Mas o futebol é desde há muito domínio onde os grunhos pululam como cogumelos.

 

O politicamente correcto que censura um pai que dá uma palmada ao filho, que condena para a eternidade o que não se exila voluntariamente na varanda para fumar um cigarro, acha absolutamente normal levar uma criança a um jogo de futebol de risco no meio de uma claque ou similar.

 

Vão bardamerda.

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