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Sou como um íman para os bêbados.

por Fernando Lopes, 19 Jan 15

Habituei-me desde a juventude. Se houver festa popular, bailarico ou coisa que o valha, o bêbado de serviço vem sempre, como que irresistivelmente atraído, contar-me a suas mágoas, fazer de mim ouvinte da desdita. É tão certo como cálculo matemático concebido por Pascal. Ao sair do trabalho costumo abastecer-me de produtos tabágicos para a noite, sempre longa, umas vezes meditabunda, outras simplesmente triste.

 

O meu novo amigo fisgou-me. À porta da tabacaria espera por mim como relógio suíço. Enquanto me crava o cigarrito da praxe, usa e abusa da minha paciência e confessa-se. Umas vezes entaramelado, outras com discurso fluído, fala das suas aventuras e desventuras, de como esteve preso, do vinho que lhe impregna a alma e tolda os sentidos. Eu ouço, faço um assentimento cúmplice, digo-lhe que a vida é meretriz que em algum momento atraiçoa tudo e todos.

 

O pobre homem só quer ser ouvido, desfiar rosário de desgraças, as minhas orelhas são tão boas como as de qualquer um.

 

- Até amanhã, ó dótor. 

- Até amanhã, amigo.

 

Isso bastou para lhe arrancar um enorme sorriso, com dois ou três dentes exibindo-se orgulhosamente entre as gengivas vazias. Alguma consideração e paciência são suficientes para trazer a ilusão de um mundo melhor. Não custa nada, apenas um minuto de atenção.

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