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Namorar no Séc. XXI.

por Fernando Lopes, 31 Jan 15

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Enquanto observo o jovem casal à minha frente entendo o namoro do Séc. XXI. O rapaz exibe uma postura corporal que tenta ser sedutora, a jovem sorri, troca duas palavras, e mergulha no telemóvel. O facebook, WhatsApp, o messaging instantâneo, tornaram-se rivais de peso para aquele miúdo nos seus vinte e poucos. Nenhum homem com dois dedos de testa quer ser segundo, menos ainda sabendo que a primeira escolha é um telemóvel. Por isso, jovens senhoras que me lêem, se optaram por sair com um rapaz deixem ficar o mundo virtual na carteira. Conversem, troquem ideias, experiências, e parem de teclar a toda a hora como se o que não existe fosse mais importante que o ser humano à vossa frente. Estas palavras são obviamente extensíveis aos geeks que acham o 4G e o processador Dual Core uma extensão da sua masculinidade.

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O fatinho do ajustamento.

por Fernando Lopes, 28 Jan 15

Hoje, enquanto fazia o nó da gravata e vestia o casaco, olhei para a roupinha. É a imagem do proprietário, coçadito mas ainda digno. Tempos houve em que comprava fatos de qualidade média e gastava 300 euros sem entusiasmo ou sofrimento. Uma farda e ponto.

 

No cabide está um casaco de penas da Timberland, velho de 10 anos, que era relativamente caro. Hoje não teria dinheiro para o comprar. De facto não sou aumentado desde 2005, os impostos subiram, tive até uma redução de vencimento. Não me posso queixar, tenho um padrão de vida muito superior à maioria dos portugueses, mas longe vão os tempos em que não tinha de fazer muitas contas.

 

Apeteceu-me mandar um mail à gorda da Merkel, e explicar-lhe que como eu, milhares de portugueses iniciaram o «ajustamento» há 10 anos. Hoje não posso gastar o mesmo dinheiro, estou limitado à Zara ou ao C&A, e viva o velho. Fuck You, Mrs. Merkel, I’m adjusting since 2005.

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O pai choné e as raparigas solteiras.

por Fernando Lopes, 27 Jan 15

Todos os dias vou levar e trazer a minha filha da escola. Para fazer um percurso de 3 quilómetros demoro mais de meia hora. Sinto-me sitiado na minha cidade. Podia discorrer sobre os suburbanos e suas diferentes tipologias, mas não me apetece.

 

Nesses longos minutos da Rua da Boavista à Avenida de França, aproveitamos para conversar sobre o dia, e sobretudo para cantar. Utilizo o tempo para lhe ensinar algo sobre as músicas que passam na rádio, polir o inglês, dar a conhecer os clássicos populares.

 

Normalmente faço de cantor ou toco uma bateria imaginada no volante. Tal é estranho para muita gente, sobretudo jovens senhoras sozinhas. Ficam ali ao lado, com ar de basbaque, a tentar entender porque é que um tipo grisalho, num carro familiar, com uma criança atrás, se entretém daqueles modos. Hoje passava na rádio «Problema de Expressão», dos Clã. Explicava-lhe o sentido da letra enquanto me balançava com ar apaixonado. A rapariga ao lado olhava incrédula como se este vosso escriba estivesse possuído por um qualquer demónio. Lamentavelmente, estava só a divertir-me. Os cinquentões e as crianças têm uma coisa em comum: sabem que todos os momentos são bons e escassos para partilhar com quem amamos verdadeiramente. Por isso, jovens senhoras que circulam no Porto, o tipo do cabelo e carro cinzento que vai a curtir com uma menina, não é totalmente choné. Só um bocadinho.

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Deus Literal

por Fernando Lopes, 26 Jan 15

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O Syriza é como Loukanikos.

por Fernando Lopes, 26 Jan 15

loukanikos-o-cao-rebelde-da-grecia.jpg

 

O Syriza arrisca-se a parir um rato, por isso rebolo-me a rir com tanto falo intumescido com a vitória da «esquerda radical». De Costa ao PCP, da entristecida Catarina ao Camões do séc.XX, Manuel Alegre, todos rejubilam com este pírrica vitória. O adjectivo «radical» acompanha sempre a palavra esquerda, para nos fazer lembrar a boa esquerda, a domesticada, burguesa e social-democrata como o PS. Alexis Tsipras está a jogar um jogo que é em Portugal conhecido como o «agarrem-me senão eu mato-o», proclamações e ideias esquerdistas apenas para ganhar espaço negocial. Acredito que alguma coisa mude, mas a Grécia, tal como Portugal, é demasiado dependente dos seus parceiros para que lhes possa dar um pontapé no traseiro. Rosna, faz o número de alçar a perna, mas terá de se entender com os companheiros do euro para não correr o risco de uma derrocada maior do que a permanência nesta europa de vontade germanizada.

 

Gostava de Loukanikos, gosto do Syriza, todavia abstenho-me de fezadas. Se a Grécia conseguir uma conferência para a renegociação da dívida já terá valido a pena. Daí até aos amanhãs que cantam, vai uma distância como da Terra à Lua.

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Só recebemos postais de quem nos ama.

por Fernando Lopes, 25 Jan 15

postal de cuba.jpg

Em tempos não muito longínquos, amigos e família trocavam postais cada vez que iam de férias. Era coisa que dava trabalho, escolher o postal, escrevê-lo, selar e muitas vezes procurar local para o envio. Coisa morosa, mas um acto de amor. Aquela pessoa lá longe, dedicava-nos uma parcela das suas férias para dizer que gostava de nós. Recebi sexta este postal de Cuba, atrasado de três meses. Na verdade chegou muito a tempo, pois os afectos nunca chegam tarde.

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Coisas que um estrangeiro nunca vai entender.

por Fernando Lopes, 22 Jan 15

restaurante.jpgCarne ou peixe por 3,50 € na Rua Oliveira Monteiro

Talvez contra-corrente ao costumeiro na tugalândia, não gosto especialmente de camones. Acho-os grandes, mal-ajambrados, ofensivamente magros, aquele ar neo-hippie irrita-me um bocadito. Os do norte da Europa são um enorme mistério pois não entendo patavina do que dizem e a maioria tem um inglês pior que o meu.

 

Ainda assim, na Primavera passada troquei meia-dúzia de bitaites com um holandês, tipo simpático e interessado na coisa lusa para lá da espuma dos guias turísticos. Uma das suas surpresas era o facto de uma grande parte dos artesãos, operários e amanuenses almoçarem num restaurante. Parece que por paragens neerlandesas o habitual é levar uma sanduiche ou tupperware e comer no local de trabalho ou ao sol se possível.

 

Expliquei-lhe as minudências da alma lusa. Aqui tudo se passa à mesa, de negócios a encontros de amigos, casamentos e aniversários, nada é portuguesmente comemorado se não tiver comezaina pelo meio. Os restaurantes «vulgares» são em Portugal estupidamente baratos, e a maioria das empresas não têm refeitório. Pode-se comer de faca e garfo a partir de 5 euros ou até menos, disse. Claro que tal era impraticável para quem trazia referências como o «Chez Lapin» ou «Escondidinho» mas possível para o povoléu que se contenta com alguma proteína animal e doses generosas de hidratos de carbono.

 

Assentiu cortês, mas pareceu que lhe estava a pregar uma mentira das boas. Há coisas portuguesas que um camone nunca vai entender.

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O drama de criar uma criança honesta.

por Fernando Lopes, 21 Jan 15

Como uma espécie de taxista de carro cinzento, levo e vou buscar todos os dias a minha filha ao colégio. Dia sim, dia sim, como qualquer pai abnegado. Um destes dias ao entrarmos para o carro o raio da miúda encontra uma nota de 20 euros. E que não quero este dinheiro, o dinheiro não é meu, pode fazer falta a um pobre e renhónhó, renhónhó. O estupor da criança tem 9 anos, exactamente a mesma idade em ocasionalmente surripiava uns trocos à avó para gastar em chocolates e revistas de banda desenhada. Expliquei-lhe que o dinheiro não tem nome, que se perguntasse muitos diriam que era seu, que achado não é roubado. Demorou dois dias e argumentação diversa para colocar a massa na sua carteira da ovelha Choné. Tenho a impressão que não vai fazer carreira política.

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Sou como um íman para os bêbados.

por Fernando Lopes, 19 Jan 15

Habituei-me desde a juventude. Se houver festa popular, bailarico ou coisa que o valha, o bêbado de serviço vem sempre, como que irresistivelmente atraído, contar-me a suas mágoas, fazer de mim ouvinte da desdita. É tão certo como cálculo matemático concebido por Pascal. Ao sair do trabalho costumo abastecer-me de produtos tabágicos para a noite, sempre longa, umas vezes meditabunda, outras simplesmente triste.

 

O meu novo amigo fisgou-me. À porta da tabacaria espera por mim como relógio suíço. Enquanto me crava o cigarrito da praxe, usa e abusa da minha paciência e confessa-se. Umas vezes entaramelado, outras com discurso fluído, fala das suas aventuras e desventuras, de como esteve preso, do vinho que lhe impregna a alma e tolda os sentidos. Eu ouço, faço um assentimento cúmplice, digo-lhe que a vida é meretriz que em algum momento atraiçoa tudo e todos.

 

O pobre homem só quer ser ouvido, desfiar rosário de desgraças, as minhas orelhas são tão boas como as de qualquer um.

 

- Até amanhã, ó dótor. 

- Até amanhã, amigo.

 

Isso bastou para lhe arrancar um enorme sorriso, com dois ou três dentes exibindo-se orgulhosamente entre as gengivas vazias. Alguma consideração e paciência são suficientes para trazer a ilusão de um mundo melhor. Não custa nada, apenas um minuto de atenção.

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Pelo direito à blasfémia.

por Fernando Lopes, 18 Jan 15

pope.jpgImagem: Cristina "Krydy" Guggeri

 

Todas as religiões são intolerantes em relação a quem não acredite na sua verdade. Ponto. Todas têm como objectivo converter; é essa a sua natureza, o que assegura a sua sobrevivência enquanto comunidade, o rendimento para manter a sua estrutura hierárquica e de fiéis. Sem dinheirinho não há templos, padre, imã, sacerdote, rabino, monge. Todas dão uma solução para o único problema insolúvel, a morte. Seja através do céu, virgens, reencarnação, prometem alguma forma de prolongamento da nossa precária existência.

 

Depois há os outros, os ateus, que acreditam que são um acaso da natureza e que um dia esse acaso termina. Inexoravelmente. Definitivamente. Para toda a eternidade, seja lá ela o que for.

 

É por isso que o caso do Charlie Hebdo gera tantos «ai não sei», «não sou Charlie», «há coisas com que não se brinca». É por isso que fugiu o pé para a intolerância ao bom do Papa Francisco, com o pensamento lapidar «Se o meu bom amigo Dr. Gasparri ofender a minha mãe, deve preparar-se para levar um soco. É normal, é normal. Não se pode provocar.»

 

Numa sociedade livre e civilizada, excepto a vida, nada é sagrado. Como nós ateus não estamos à porta da igreja a bater nos fiéis, impedindo-os de entrar, qualquer crente de qualquer religião, pode não gostar, mas tem de aceitar o direito à blasfémia. Sem agredir quem seja cáustico com as suas crenças. É essa capacidade de tolerar, até defender o que não gostamos, que é defesa da liberdade. Que deveria ser a suprema mostra de fé de todos os crentes de todas as religiões. Aceitar, mesmo o que lhes é estranho ou hostil. Tudo o resto são meias-tintas.

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