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Não padeço do eurocentrismo vigente, que adaptado às novas necessidades, num mercado saturado, se vira para oriente, mais por conveniência do que por convicção. Hoje de madrugada assisti a um documentário da BBC, que sem valorações ou preconceitos, tentava entender a razão porque os alunos de origem oriental são os mais bem sucedidos no ensino britânico. É ao mesmo tempo revelador e assustador. As mães-tigre impõem aos seus rebentos um disciplina férrea de trabalho, trabalho, mais trabalho.

Ninguém duvida que para serem bem sucedidas devemos estimular as nossas crianças a trabalhar e a superarem-se. No entanto tudo tem limite. Estas crianças são "espremidas" com trabalhos de casa durante 3 a 4 horas por dia, mais 2 horas de música, mais treino disto e daquilo. Devo confessar que aos meus olhos ocidentais, não existia nada semelhante a uma infância e muito de paralelo com um campo de trabalhos forçados. Mais, estas mães, em busca de um futuro brilhante para os seus filhos, hipervalorizam as competências académicas e desvalorizam as sociais.

Na reportagem, é referido com a maior das naturalidades, o facto de uma criança não brincar com outras há mais de um ano. Assustador de facto. Será com estes pequeno seres, programados desde a mais tenra idade, máquinas de trabalho e estudo, que os nossos filhos irão competir num futuro mercado global.

É difícil compreender que uma mãe coloque tantas expectativas no futuro de uma criança de forma a que a condicione como vi. Estes miúdos serão infelizes toda a vida, marcados por uma infância castradora e socialmente incapazes de estabelecer empatia, amizade, cumplicidade. Na reportagem uma das mães refere o aforismo "No pain, no gain". Pena que ninguém tivesse contraposto "All work and no play makes Jack a dull boy".

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arca salgadeira

por Fernando Lopes, 14 Abr 12

Era o único de origens rurais numa turma de citadinos. Gorducho, desajeitado, ruborescido, usava sempre um velho blazer quando o hype era ter um blusão de penas Duffy e umas Levi's.

 

Destacava-se pela diferença. E todos sabemos como os adolescentes são cruéis com os que são diferentes ou não se enquadram num tribo. Andava sempre sozinho, ninguém queria a sua companhia. Na altura existiam carteiras antigas, com tampo que levantava e uma base de madeira onde pousávamos os livros. Uma das brincadeiras favoritas era roubar os cadernos do vizinho de trás e coloca-los nos locais mais improváveis. Foi a galhofa da turma durante uma semana. No momento em que tomaram posse dos seus cadernos descobriram que cheiravam a salmoura. Foram passados por toda a turma, para "curtirmos um cheirinho a presunto".

 

Foi ridicularizado, acusado de dormir com presuntos, de comer chouriços e salpicões ao pequeno almoço. Não o gozei nem me solidarizei. Mantive uma prudente distância. Mas intrigado, passados uns tempos, não resisti a perguntar-lhe porque é que os cadernos dele cheiravam a "presunto". A resposta não poderia ser mais simples. Como não tinha secretária ou mesa disponível para estudar, fazia-o em cima de uma arca de madeira onde era conservada a carne de porco em sal. Os adolescentes podem ser estúpidos e maus. Por omissão, fui as duas coisas.

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