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Miquinhas

por Fernando Lopes, 1 Mar 12

 

Quinta da Aurifícia (Google Maps)
(o enorme espaço verde resiste, ainda hoje)

 

Companhia Aurifícia
(das grades, à direita, observava os operários da Companhia Aurifícia)

 

 

O Porto da minha infância tinha uma ruralidade que tende a desaparecer. Fui criado na rua de Álvares Cabral, na freguesia de Cedofeita. Naquela artéria uma grande parte das casas tinham um terreno nas traseiras. Os mais ricos, tinham jardim. Os outros, um quintal de 20 ou 30m2. A casa dos meus avós fazia fronteira com a Quinta da Aurifícia, que atravessava um quarteirão inteiro, do lado da Rua dos Bragas uma fábrica a que chamávamos "a fábrica dos pregos", do lado de Álvares Cabral um enorme portão de ferro com a inscrição Quinta da Aurifícia. Cresci pois, no melhor de dois mundos, com a urbanidade e o comércio de Cedofeita e ao mesmo tempo entre galinhas, couves, salsa e hortelã. Por uma porta, saía de casa e ia brincar para "a quinta". Um espaço imenso que estava alugado. Os arrendatários transformaram aqueles 2 ou três hectares numa fonte de rendimento cultivando em pequenas parcelas tudo o imaginável. Eram uma espécie de agricultores biológicos "old age". Havia flores, castanheiros, tomates e pencas, dióspiros e vinha. O Sr. Fernando trabalhava no Instituto Pasteur e era agricultor em todas as horas vagas. A sua mulher, a Miquinhas, dedicava-se em exclusivo à agricultura. Não estou a falar de tempos remotos, a "exploração agrícola" manteve-se activa até finais dos anos 90, quando a ruralidade tendia a desaparecer engolida pela valorização do espaço, em prédios de 5 andares.


A Miquinhas vivia uma vida dupla, entre o campo e a cidade. Personagem peculiar, tanto a encontrávamos de sachola e com uns estranhos socos de plástico, avental e um chapéu esquisito, como vestida urbanamente, nas compras, entre as vizinhas. Era como se por artes mágicas, o enorme portão lhe mudasse o ofício e a personalidade. Ora lavradeira, ora uma vulgar mulher da classe média de então. Essa fronteira, facilmente ultrapassável entre o mundo rural e urbano que existiu na minha infância quase desapareceu. As Miquinhas que habitam esta cidade são uma espécie em vias de extinção, um precioso bem cada vez mais escasso. Dir-me-ão que é saudosismo. Talvez. Mas quando esquecemos a terra, também esquecemos as nossas origens. A todas as Miquinhas que ainda resistem, entre couves e galinhas, a minha homenagem.

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talento

por Fernando Lopes, 1 Mar 12

Olho à minha volta e noto que toda a gente está a estudar. Dos 30 aos 50, todos fazem frequências, trabalhos, monografias, teses. Uns por razões profissionais, outros por mero prazer, alguns no seguimento de uma carreira académica. Uns vão ser doutores, os doutores vão ser mestres, os mestres prof. doutores. É bom, fico genuinamente feliz por estar num meio onde existe a necessidade de aprender mais e melhor, de superação. Já pensei em retomar os estudos e terminar um curso que ficou pendurado por duas cadeiras. Desisti. O que gostava mesmo, o que me faria feliz, era descobrir alguma habilidade escondida. Ser capaz de escrever belas crónicas, aprender com os meus amigos jornalistas os segredos da reportagem e do jornalismo de investigação. Além da formação, existe o talento. E esse não se aprende. Tenho uma secreta inveja de quem mostra a alma e o engenho de forma natural, espontânea. Tivessem os deuses sido generosos e seria um bocadinho mais feliz.

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